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Leonardo Sakamoto

"Terrorista" é um ministro culpando as próprias vítimas pelo caos no Enem

Marcelo Camargo - Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo - Agência Brasil

Colunista do UOL

11/02/2020 13h59

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O presidente Jair Bolsonaro abriu a porteira quando levantou a hipótese de "sabotagem" para o Enem 2019, o Exame Nacional do Ensino Médio que deu chabu. Com isso, seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, sentiu-se à vontade de dar um passo além, falando em terrorismo.

"Desde o começo do ano passado, fala-se que não vai ter Enem e houve o Enem. Por quê? Porque o objetivo é gerar terror, desmobilizar a sociedade. Alguns parlamentares, grupos econômicos e meios de comunicação hegemônicos adotaram uma linha extremamente terrorista no processo", disse na Comissão de Educação do Senado Federal, nesta terça (11). Ele foi convidado para explicar o caos que levou à judicialização e à perda de credibilidade dessa edição da prova.

O ministro acusou sem dar nomes. Segue, dessa forma, o padrão adotado pelas áreas macarrônicas deste governo, de inventar um inimigo externo desconhecido para justificar a própria incompetência.

Quando o MEC informou, em abril do ano passado, que a gráfica que imprime o Enem, desde 2009, anunciara falência, quem acompanha a prova ficou apreensivo. Isso já seria um problema grande se o ministério fosse gerido por um governo racional. Mas sem planejamento e comando e tendo sido loteado, na época, entre pupilos de Olavo de Carvalho, a instituição estaria mais vulnerável a falhas.

Weintraub foi o profeta do caos no Enem - profecia, posteriormente, cumprida por ele e Bolsonaro e não pela sociedade, que pedia para o governo tomar cuidado, uma vez que o futuro de milhões de jovens não é brinquedo de guerra cultural. Se há sabotagem, ela foi cometida pelo próprio presidente da República, que indicou uma pessoa desqualificada. Se há terrorismo, ele foi feito pelo próprio ministro, que gerou mais ansiedade desnecessária em jovens que passaram um ano estudando para a prova.

Aliás, terror psicológico faz um ministro que curte, nas redes sociais, postagens de ameaças aos estudantes com imagens de tacos de baseball envoltos com arame farpado. Ou um presidente que chama estudantes que protestam por recursos para a educação de "idiotas úteis", "imbecis" e "massa de manobra".

Insatisfeito com o que fez até agora, Weintraub culpou a vítima no Senado Federal, atribuindo parte das 172 mil reclamações sobre os erros na correção do Enem 2019 a candidatos que teriam ido mal na prova e tentaram colocar a culpa no governo. Novamente, não apresentou provas.

"Alunos foram mal, mas disseram que a culpa era do Weintraub. Os pais nos procuraram, nós checamos as provas e vimos que haviam tirado a nota mesmo." Candidatos que discordam disso registraram representações no Ministério Público Federal, exigindo revisão geral da correção da prova, auditoria transparente nos processos e comunicação individual dos resultados.

Para ele, outros grupos que se queixaram do exame foram "militantes" que se faziam passar por alunos e pessoas que não entendiam o processo de avaliação. O MEC reconheceu oficialmente 5.974 erros em correções, causados por problemas na impressão das provas e dos gabaritos. O resto? Para a instituição, é sacanagem, má fé ou ignorância.

O Sisu, sistema de escolha de vagas para as universidades públicas com base na nota do Enem, também apresentou um pacote de problemas. Mas, para o ministro, o que houve foi uma "chuva de fake news".

Por enquanto, Abraham Weintraub se manteve como ministro da Educação. Ele tem as qualificações para a função, segundo o presidente: xinga adversários, ofende a imprensa, elogia o chefe, promove as ideologias caras a Bolsonaro. Alguém capaz de garantir um salto de qualidade na formação de estudantes, que garanta qualidade de vida ao professor e integre a comunidade à escola? Desculpe, subversivo demais para este governo. Essa escolha tem um custo para o país. E é o futuro quem está pagando.