Incapaz de governar, Bolsonaro comete violência sexual contra repórter
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Agindo na posição em que se sente mais confortável, a de meme de grupo de WhatsApp, Jair Bolsonaro repetiu a grotesca violência de cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, na manhã desta terça (18), em frente ao Palácio do Alvorada. A agressão já havia sido feita por um depoente na CPMI das Fake News e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
"Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim", afirmou Bolsonaro.
Ao afirmar - de forma inconcebível para o líder de uma democracia - que uma jornalista ofereceu sexo em troca de informações, ele reforça a percepção de que é incapaz de ocupar a Presidência da República. Apesar de seu comportamento agressivo, egocêntrico, pouco empático e sem remorso demonstrar psicopatia, ele mostrou mais uma vez que usa, compulsivamente, o cargo de forma racional e consciente para cometer crimes contra aqueles que enxerga como adversários e no intuito de defender sua família.
Caso as instituições que exercem freios e contrapesos ao Poder Executivo estivessem funcionando normalmente, a Câmara dos Deputados autorizaria a abertura de um processo criminal apresentado pela Procuradoria-geral da República contra ele no Supremo Tribunal Federal. Ou começaria um impeachment, nem que fosse apenas para mostrar à sociedade que há limites. Mas não há. E, em nome das "reformas", tudo é perdoado.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência sexual como "todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho".
O presidente da República reverberava a declaração de Hans River Nascimento, ex-empregado de uma agência de disparo de mensagens digitais, que depôs na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News. Ele, que havia sido fonte do jornal, mentiu à CPMI sobre o que havia dito anteriormente e atacou de forma abjeta a repórter, dizendo que ela ofereceu sexo por informação.
Horas depois, a Folha de S.Paulo publicou as trocas de mensagens dela com o depoente, bem como documentos por ele fornecidos. Verificou-se que era ele quem havia dado em cima dela, ação que a repórter, educadamente, ignorou.
Com isso, Bolsonaro entreteve a claque que vai beijar sua mão diariamente na frente do palácio, rindo com a ignorância de seus próprios fãs, que a tudo aplaudem. Mas também animou os milhares de seguidores que compartilharam, nos últimos dias, memes com a acusação de que uma das mais premiadas jornalistas brasileiras trocou informação por sexo. Mantém, com isso, os soldados excitados e prontos para a "guerra cultural".
Com esse teatro, o presidente dá apoio à estratégia adotada por seu filho, Eduardo Bolsonaro. Logo após o depoimento de Hans River, ele declarou, no Congresso Nacional e em suas redes sociais, que Patrícia Campos Mello pode ter "se insinuado sexualmente em troca de informações para tentar prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro". Exércitos de contas falsas e perfis reais passaram a atacá-la em uma das campanha de linchamento. Isso, claro, ajuda a nublar a capacidade da CPMI de investigar a tentativa de manipular o resultado da eleição de 2018.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro criou mais um factoide para desviar a atenção sobre a investigação a respeito da morte de Adriano da Nóbrega, o líder do grupo de matadores de aluguel "Escritório do Crime", ligado ao antigo gabinete de seu filho, o senador Flávio. Preocupado com o que podem vir a descobrir sobre sua família nos celulares encontrados com miliciano, o presidente tentou se vacinar nesta terça: "Quem fará a perícia nos telefones do Adriano? Poderiam forjar trocas de mensagens e áudios recebidos? Inocentes seriam acusados do crime?".
E, sobretudo, todo esse ruído ajuda a desviar o foco da economia: apesar do otimismo de parte do empresariado, ela segue derrapando e a geração de postos formais de trabalho continua em ritmo lento demais para um povo que está passando necessidade. O presidente já demonstrou que não sabe como fazer o país crescer mais rapidamente e seu ministro da Economia gasta tempo chamando funcionários públicos de "parasitas" e criticando o diminuto grupo de empregadas domésticas que conseguiu ir à Disney.
Sem contar os assessores que batem de frente com a bandeira de ética - do frondoso laranjal do ministro do Turismo, Álvaro Marcelo Antônio, ao conflito de interesses do chefe da Comunicação Social do Palácio do Planalto, Fábio Wajngarten - que continuam defendidos por Jair.
Bolsonaro precisa que ninguém perceba nada isso. O ataque de hoje não é mais uma golden shower, para citar uma tentativa de desviar o foco da opinião pública no Carnaval passado. O linchamento público promovido contra uma jornalista por um presidente, seu filho e seus aliados é um passo além: um teste que Bolsonaro faz com as instituições brasileiras. Aposta que os outros poderes são tão frágeis que vão se dobrar, como já se dobraram o Coaf, a Receita Federal, a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República...
Se o ressentimento bolsonarista contra uma das principais repórteres investigativas do país - responsável por uma série que revelou como empresários gastaram milhões de reais em disparos em massa de mensagens de WhatsApp para beneficiar o então candidato Bolsonaro - segue mostrando seus dentes afiados, o governo prova que está entrando em uma nova fase. Em breve, vai se sentir mais livre. E despejar as aberrações que desejar.
A questão é que se o presidente continuar usando o mandato para praticar violência explícita contra aqueles que considera adversários e para defender a si mesmo e seus filhos sem que a sociedade dê um basta, um dos dois não chega a 2022: seu governo ou a democracia.