Após ajudar a eleger Bolsonaro, Moro aduba impeachment no discurso de saída
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"Disse ao presidente que seria uma interferência política. E ele respondeu: seria mesmo."
Em seu discurso de demissão, na manhã desta sexta (24), Sergio Moro não apenas descolou definitivamente a imagem de Jair Bolsonaro do combate à corrupção, mas também denunciou pressão do presidente da República para manipular a ação da Polícia Federal em nome de seus interesses. O agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública indicou tentativa de obstrução de Bolsonaro em investigações, afirmando que questionou a razão do desejo do presidente de trocar o diretor-geral da instituição sem nenhum motivo técnico.
Na prática, Moro imputou um crime de responsabilidade, ao vivo, na TV. Ou melhor, vazou mais uma conversa comprometedora da República. Mas, desta vez, vazamento foi legal e o gravador era ele mesmo.
Poucas pessoas ajudaram tanto a eleger um presidente quanto Moro. E poucas podem contribuir tanto com sua derrocada, ainda mais se os lavajatistas - base conjuntural de Bolsonaro - resolverem segui-lo.
Nesse sentido, ele posicionou o presidente abaixo daquilo que os moristas mais odeiam: o PT. Elogiou mais de uma vez a gestão de Dilma Rousseff e Luís Inácio Lula da Silva, que - segundo ele - não interferiram na Polícia Federal como o atual governo, o que possibilitou - em sua avaliação - o combate à corrupção. Nada ofende mais Bolsonaro do que essa afirmação.
O então juiz da Lava Jato foi um dos principais responsáveis por impedir a candidatura do ex-presidente Lula, correndo com a polêmica condenação por conta do Triplex, no Guarujá, para que uma decisão em segunda instância o tirasse do páreo - o que veio a acontecer. O líder petista era o único que derrotava o atual presidente nas pesquisas de intenção de voto.
Moro chegou a interferir na campanha eleitoral diretamente quando, seis dias antes do primeiro turno de 2018, divulgou trechos de uma delação de Antonio Palocci. A própria força-tarefa dos procuradores explicou que elas não traziam nada de útil para a investigação. Mas algo que não tem força nos autos do processo pode ter impacto na política.
Tudo isso foi bem resumido pelo próprio Bolsonaro, no dia 8 de novembro do ano passado, quando afirmou: "Se essa missão dele não fosse bem cumprida, eu também não estaria aqui, então, em parte, o que acontece na política do Brasil devemos a Sergio Moro".
Moro, em seus quase 16 meses no cargo, não conseguiu deixar nenhuma marca relevante. Seu pacote contra o crime, por exemplo, fomentava a letalidade policial sem reduzir a violência e teve que ser corrigido pelo Congresso Nacional.
Ficou mais conhecido pelas bolas nas costas que tomou do que pelos gols que fazia. Chegou à suprema humilhação de agir como advogado do presidente quando o nome dele foi citado na investigação da execução da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.
Mas, mesmo com a divulgação de suas conversas com a força-tarefa da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil e veículos parceiros, em que orientava o trabalho de procuradores, Sergio Moro manteve sua popularidade praticamente intocada, enquanto Bolsonaro via a sua ir caindo à medida que não entregava o crescimento econômico no ritmo prometido. Inseguro, o presidente adotou o hobby de tratar Moro como inimigo.
Desde que assumiu, Bolsonaro vem tentando engolir instituições de monitoramento e controle, como a Polícia Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal, Procuradoria-Geral da República em nome de seu projeto de poder e da proteção de seus filhos, envolvidos em desvios de recursos públicos via rachadinhas e em linchamentos digitais.
A disputa com o ministro da Justiça, Sergio Moro, para além de suas dimensões psiquiátrica e eleitoral, se insere nesse processo e na iminência de responsabilização de seus filhos. O presidente sabe que não consegue controlar a base da Polícia Federal, mas - como mesmo disse Moro - ele deseja ter acesso a informações sigilosas. E, com isso, garantir a seu clã vantagem política sobre os adversários.
Seu discurso de saída fez um balanço (muito generoso) de sua gestão à frente do ministério, mas focou em mostrar que Bolsonaro é um dano - até maior que o PT - para o combate à corrupção.
Com isso, adubou o caminho do impeachment do ex-chefe e começou a pavimentar o seu para as eleições de 2022. Ele pode negar à vontade, mas o pronunciamento desta sexta não foi de saída, mas de alguém que se lança à Presidência da República.