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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro precisa mostrar testes de Covid-19. Se quer privacidade, renuncie

Bolsonaro tosse durante ato em favor do golpe militar, no dia 19 de abril - Foto: Sérgio Lima/AFP
Bolsonaro tosse durante ato em favor do golpe militar, no dia 19 de abril Imagem: Foto: Sérgio Lima/AFP

Colunista do UOL

03/05/2020 11h48

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Jair Bolsonaro está em uma disputa jurídica para não mostrar o resultado dos testes que realizou sobre Covid-19. Alegando defesa de sua "intimidade, vida privada, honra e imagem", o presidente da República quer que a população acredite apenas em sua palavra quando diz que não contraiu coronavírus. A beleza da democracia, contudo, é que nós temos o direito de saber e, ele, o dever de informar.

Ser presidente da República diferencia o indivíduo dos demais cidadãos não apenas pelos poderes que o cargo lhe confere, mas - principalmente - pelos deveres que é obrigado a cumprir - entre eles, a transparência sobre seus atos e sobre sua condição de saúde, o que interfere em seu governo. É justo que ele queira a plena privacidade de volta. E isso está ao alcance de suas mãos: é só renunciar.

"Não se trata de personalíssimo direito à manutenção da privacidade dos resultados dos exames, senão de informação que se reveste de interesse público acerca do diagnóstico da contaminação ou não pelo Covid-19", afirmou Mairan Maia, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao negar um recurso da Advocacia-Geral da União contra a divulgação dos testes de Bolsonaro.

A ação atende a uma demanda do jornal O Estado de S. Paulo, após o governo ter negado o esclarecimento sobre o histórico médico do presidente via Lei de Acesso à Informação.

Desde que sua comitiva voltou dos Estados Unidos com mais de duas dezenas de contaminados pelo coronavírus, tornando-se um dos vetores de infecção do país, Jair Bolsonaro fez, ao menos, dois testes que teriam dado negativo. Nunca mostrou, contudo, o resultado, como era de se esperar de um chefe de Estado em uma democracia.

Ignorando as recomendações médicas para se manter em isolamento de sete dias após ter feito uma viagem internacional e de evitar multidões, ele foi confraternizar com centenas de fãs em frente ao Palácio do Planalto no dia 15 de março. E não só: tem sistematicamente promovido aglomerações ao fazer campanha contra medidas de isolamento social.

Transparência não é concessão que governantes fazem a cidadãos, mas uma obrigação. A condição de saúde de um presidente da República não é uma questão de foro íntimo, mas de interesse público, pois situações que os incapacitam permanente ou momentaneamente causam impactos na vida das pessoas.

Transparência aconteceu com o tratamento de doenças de seus antecessores e ocorre com outros políticos, como o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que está em tratamento contra câncer. E com governadores que reconheceram ter contraído Covid-19, como Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e Helder Barbalho (Pará).

Infelizmente, Bolsonaro não adota essa prática hábito, chegando a ir a hospitais sem colocar na agenda e sem explicar direito o que foi fazer lá, como aconteceu em 30 de janeiro.

Quando David Uip, que coordena o Centro de Contingência ao Coronavírus do Estado de São Paulo, recuperou-se de Covid-19, Bolsonaro cobrou dele que mostrasse se havia feito uso de cloroquina em seu tratamento - medicamento que o mandatário quer ver distribuído em massa, apesar de cientistas pedirem cautela. Suas hordas digitais atacaram seguidamente o médico até que ele revelasse que sim.

Por que o próprio presidente se nega a dar a transparência que ele cobra dos outros? Bolsonaro acredita que pode fazer e falar o que bem entender, quando bem entender, da forma que bem entender. Qualquer instituição que diga o contrário e imponha limites, como vem fazendo o Supremo Tribunal Federal, é alvo de ataques.

A falta de transparência acaba dando margem a múltiplas especulações. Ele pode ser alguém bem sortudo e ter passado ileso, o que considerando sua trajetória não seria a primeira vez. Mas é pitoresco que profissionais do convívio próximo do presidente, como um ajudante de ordens e o chefe do cerimonial, tenham pego e ele não.

Essa não seria mais uma das mentiras que o presidente conta diuturnamente para governar e excitar seus fãs. Diz respeito a enganar a população sobre ser um agente de contaminação de uma pandemia assassina transmitida por contato social. E isso, mais do que um crime de responsabilidade, é traição contra o povo de seu país.