Topo

Leonardo Sakamoto

Após sabotar combate ao coronavírus, Bolsonaro debocha ao falar de mortos

Enterro coletivo é feito em cova comum aberta por trator na manhã de terça-feira (27) no Cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Enterro coletivo é feito em cova comum aberta por trator na manhã de terça-feira (27) no Cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

28/04/2020 21h16

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Após menosprezar o coronavírus e bombardear sistematicamente as medidas de isolamento social que evitam sobrecarga no sistema de saúde e ajudam a reduzir a quantidade de óbitos, Jair Bolsonaro fez graça ao ser questionado sobre o número recorde de mortes pela pandemia registradas em um único dia. E, depois, tirou o corpo fora. Mais uma vez.

"E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre", disse o presidente da República.

Nesta terça (28), o governo divulgou que 474 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas. No total, são 5.017 mortos - oficialmente - até agora.

E como vem fazendo desde o início de seu mandato, terceirizou a responsabilidade, dizendo que cabe ao ministro da Saúde, Nelson Teich, explicar o aumento na mortalidade.

No momento em que o Brasil mais precisou da liderança de Bolsonaro, ela não apareceu. Pelo contrário, ele se dedicou a facilitar os óbitos de milhares de brasileiros não apenas por um negacionismo passivo, mas lutando ativamente contra as medidas sanitárias, furando quarentenas e atacando duramente quem tenta salvar vidas. Muitos acreditaram nas palavras do presidente e foram às ruas, contaminar e serem contaminados.

Ao mesmo tempo, sua demora em garantir ajuda a trabalhadores informais e formais atingidos e micro e pequenas empresas prejudicadas semeou caos social e econômico, que vamos colher muito em breve. Muitos não conseguiram acesso ao auxílio emergencial porque o sistema digital simplesmente não os reconhece.

Revelou seu ciúme em relação a um subordinado que se destacava, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e, com isso, sua insegurança. E ao tentar salvar sua reeleição em 2022, prejudicada diante da iminente recessão de uma economia em quarentena, chamou mais de uma vez de "covarde" quem seguiu as recomendações da Organização Mundial de Saúde e ficou em casa.

Tendo subestimado o tamanho da pandemia, apostou o seu mandato que o coronavírus será um traque em comparação ao que aconteceu na Itália, na Espanha e nos Estados Unidos. E acredita que, se perder a aposta, sua máquina de mentiras passará pano em tudo.

Quanto mais as medidas de isolamento horizontal surtirem efeito, reduzindo o impacto da pandemia, mais Bolsonaro irá dizer que elas não serviram para nada. Venderá isso como a prova de que estava certo em chamar a pandemia de "gripezinha" e que a paralisação de atividades não essenciais era desnecessária. Ironicamente, pode acabar se beneficiando daquilo que sistematicamente ataca.

Ao mesmo tempo, deve ao Congresso Nacional a aprovação - mesmo com atraso - da renda básica emergencial de R$ 600,00 a fim de garantir a sobrevivência dos trabalhadores informais e por conta própria durante. Se dependesse de sua equipe econômica, a solução para ajudar os mais pobres na crise seria a "aprovação das reformas", como sugeriu inicialmente o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro já chamou o vírus de "fantasia", "não é isso tudo o que dizem", "histeria", "superdimensionado", "resfriadinho". Passou a ser considerado pela imprensa internacional, liberal e conservadora, como o pior líder do mundo no enfrentamento à doença. Deu risada, deu de ombros. Seu comportamento foi celebrado por carreatas de irresponsáveis.

Em momentos de calamidade pública, um país precisa de pessoas com a estatura técnica, moral e política do desafio a ser enfrentado. Bolsonaro é, portanto, a pessoa errada na hora errada - e vamos todos pagar o preço disso.

"E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre."

O ideal seria que ele desse lugar a quem sabe o que fazer. Ou, ao menos, ficasse quieto e não atrapalhasse. Como isso não deve acontecer, poderia providenciar mais caixões para enterrar dignamente as pessoas que morrerão graças à sua irresponsabilidade.