Campeões da covid, Trump e Bolsonaro têm tempo para perseguir manifestantes
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Antifascistas, aqui e nos Estados Unidos, historicamente têm feito contraponto a manifestações que pregam o racismo, o discurso de ódio, o direito à intolerância. Sua capacidade de mobilização, não raro, é a única coisa que a extrema-direita teme. Tanto que se faz necessário impor a eles a pecha de violentos, como ocorreu hoje, na avenida Paulista, em São Paulo, com ajuda da polícia.
Ou com um empurrãozinho de presidentes.
Os Estados Unidos têm assistido a protestos em grandes cidades, como Nova York, Los Angeles, Chicago, Dallas, Atlanta, após George Floyd, um homem negro de 46 anos, ter sido torturado e morto por um policial branco em Minneapolis à luz do dia.
Temendo por uma escalada de insatisfação a poucos meses das eleições, Donald Trump postou, neste domingo (31), que designaria o antifascismo, um posicionamento ideológico, como uma "organização terrorista".
Isso excitou a filial brasileira, levando Jair Bolsonaro a compartilhar a publicação logo em seguida, relacionando-a aos protestos em nome da democracia e contra o seu governo, em São Paulo.
Aliás, se a luta contra o fascismo é terrorismo, o 6 de junho de 1944, com a invasão da Normandia pelos aliados durante a Segunda Guerra, foi uma ignomínia pior do que o 11 de setembro de 2001. E Dwight Eisenhower, comandante das forças aliadas na Europa contra Hitler e Mussolini e futuro presidente dos EUA, deveria ser considerado um subversivo.
Claro que as narrativas de guerras de Trump e de Bolsonaro não resistem a uma lufada de bom senso. O problema é que, em sociedade ultrapolarizadas e com governos que ocupam o primeiro e o segundo lugar globais em números de infectados pelo coronavírus, bom senso é produto em falta na gôndola. O que importa é fazer barulho. Para abafar o som de pás enterrando mais um morto por covid-19. Para arregimentar mais fãs e seguidores para defender seus mandatos.
A maioria dos ataques com armas em espaços públicos nos Estados Unidos é causada por homens brancos que nasceram naquele país. Um levantamento da New School for Social Research tinha apontado para mais de 64%. Homens, frequentemente supremacistas brancos, que entraram armados com sua ideologia racista em jardins de infância, escolas, universidades, cinemas, igrejas, mesquitas, repartições e escritórios e começaram a matar ao seu redor.
Mas tanto Trump quanto Bolsonaro não reservam palavras duras à extrema direita violenta. Por que ela faz parte de um naco ruidoso de sua base de apoio.
O governo Trump cumpriu um papel importante para os ultranacionalistas em todo o mundo ao escancarar tudo isso sem mediações e esticar a corda, ultrapassando o limite da racionalidade e atingindo os pilares da democracia. Ao eleger inimigos, tachá-los e afirmar que estão apodrecendo a sua sociedade, transfere todos os problemas - econômicos, sociais e sanitários. O "mal" é sempre o outro. Nunca ele mesmo.
George Floyd, em Minneapolis, e João Pedro, em São Gonçalo (RJ), foram vítimas de terrorismo de Estado. Ambos os países vão, dessa forma, se afastando das mudanças estruturais para garantir paz - que incluem um governo que pense em qualidade de vida para todos e forças de segurança treinadas para agir com inteligência, sem racismo e não matar como reação básica - e que sejam punidas em caso de desvios.
Não é da natureza da maioria das pessoas que decide vestir farda (por opção ou falta dela) tornar-se violenta. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da instituição a que pertencem, na formação profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na internalização de sua principal missão: manter a ordem (e o status quo) a qualquer preço. Tudo com a anuência de uma parte da população, que não se indigna diante da morte de negros pobres. Indigna-se com quem diz que racismo existe.
O que fazer quando o "mal" somos nós mesmos? A resposta que vem sendo largamente adotada por governantes é encontrar um inimigo e insistentemente transferir o problema a ele até que esqueçam de nossa responsabilidade.
Os milhares de mortos por covid-19, por exemplo, não têm um dedo de responsabilidade de Trump e Bolsonaro. Tudo é culpa de governadores, da imprensa, da China. E, especialmente no caso tupiniquim, de sepultadores que enterram caixões vazios, de institutos de saúde malignos que inflam os números de mortos e de cidadãos comunistas que resolvem morrer de "gripezinha" para atrapalhar o mandato do presidente.