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Leonardo Sakamoto

Prestador do iFood ameaça pelo WhatsApp entregador que aderir à paralisação

Colunista do UOL

01/07/2020 02h00

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Resumo da notícia

  • Áudio que circula em grupos de motofretistas no WhatsApp mostra ameaças aos que cogitam participar da paralisação marcada para esta quarta (1)
  • Procurador do trabalho afirma que plataformas vão usar cada vez mais intermediários para evitarem questionamento de vínculos com entregadores.
  • Rodrigo Carelli, do MPT, defende que o reconhecimento do vínculo empregatício é a única garantia efetiva de direitos.
  • O movimento reclama aumento no valor das corridas, fim dos bloqueios de entregadores e melhores condições de trabalho na pandemia e após ela passar.

Por Carlos Juliano Barros, especial para a coluna

"A gente não se envolve em manifestação. Se você estiver com adesivo [de protesto] na sua bag, por favor, vou estar pedindo para você tirar. Se você não estiver contente trabalhando comigo, no sistema OL, vem aqui, me procura, que eu pego você e jogo na nuvem e você se vira na nuvem."

Um áudio que circula em grupos de motofretistas no WhatsApp, ao qual a reportagem teve acesso, mostra ameaças a entregadores do iFood que cogitam participar da paralisação nacional marcada para esta quarta (1), em protesto contra os aplicativos de delivery. James, Loggi, Rappi e Uber Eats também são alvos do movimento.

O autor da mensagem é um Operador Logístico (OL) - uma espécie de empreiteiro terceirizado pelo iFood que subcontrata motoboys para fazer as corridas. Ao contrário do sistema conhecido por "nuvem", em que os entregadores se cadastram no aplicativo e aceitam ou não as corridas que aparecem na tela do celular, os motofretistas no regime OL têm horários a cumprir e ficam subordinados a um administrador responsável pelo atendimento de uma área restrita. Dessa maneira, garantem mais serviço.

"Nós, entregadores OL, somos diferenciados. A gente é outra qualidade de entregador. O pedido chegou na nossa mão, o pedido tem que chegar na mão do cliente. Entregador OL não se envolve em nenhum tipo de manifestação", reforça o áudio.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o iFood - que recebeu da reportagem a transcrição do áudio - afirmou, em nota, que "defende o direito à livre manifestação. Não punimos ninguém por protestar. Esperamos dos OLs o mesmo compromisso com a liberdade de expressão".

De acordo com Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sistema OL baseado na terceirização pode trazer mais segurança jurídica às plataformas do que o modelo de "nuvem", hoje consagrado pelos aplicativos. Popularmente chamado de "uberização", o modelo de nuvem ainda está sujeito a questionamentos na Justiça sobre a existência de vínculo empregatício.

Com a aprovação da terceirização irrestrita pelo Congresso Nacional, e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o sistema OL deve ganhar força. "Agora os aplicativos têm duas cartas na mão. Se não colar uma, cola a outra", analisa Carelli.

O procurador acredita que o regime OL pode dificultar ainda mais o reconhecimento de direitos dos entregadores na Justiça. "Pela regra, você tem que ajuizar ação contra o empregador direto, que seria o OL. Imagina responsabilizar o OL, um "gato", explorado como os outros? É propositalmente perverso", completa.

Um dos maiores especialistas do país sobre uberização, Carelli analisa em entrevista o movimento grevista que reclama aumento no valor das corridas, fim dos bloqueios de entregadores e melhores condições de trabalho. E afirma que o reconhecimento do vínculo empregatício, ainda que não esteja na pauta de reivindicações, é a única garantia efetiva de direitos. "Senão, eles vão conseguir no máximo concessões pontuais que logo serão desfeitas", afirma.

Leia trechos da entrevista:

Nos últimos anos, houve diversas paralisações de entregadores. Mas a mobilização prevista para esta quarta está articulada em nível nacional e promete ser mais efetiva que as anteriores. Por quê?

Há três razões pelas quais o movimento de 1º de julho parece ser mais forte: as condições cada vez piores de trabalho, a pandemia e uma maior maturidade dos trabalhadores. Aconteceu aquilo que conseguimos perceber em todas as plataformas: inicia-se com um nível de remuneração atraente, mas com o tempo as condições vão se deteriorando, demonstrando que o começo era só um incentivo - na verdade, um subsídio dado pela plataforma - para atrair trabalhadores. Este é um momento de degradação, obviamente potencializado pela pandemia.

Mas há uma maturidade maior dos trabalhadores. Já faz algum tempo que eles estão nessa condição e já deu tempo de refletirem. Claro que ainda há muito para que eles consigam compreender que o conflito é de natureza trabalhista, que eles são empregados dessas empresas e que é somente pela luta coletiva, buscando reconhecimento como empregados [no regime da CLT], que eles conquistarão algo relevante. Senão, vão conseguir, no máximo, concessões pontuais que logo serão desfeitas.

Os aplicativos dizem apenas intermediar a relação entre consumidores e prestadores de serviço. Por que o MPT acredita haver vínculo empregatício entre trabalhadores e plataformas?

Até existem plataformas que atuam na forma de "marketplace". Um exemplo é a GetNinjas [aplicativo de serviços domésticos variados], que realmente realiza a mera intermediação entre consumidores e prestadores de serviço. Porém, as plataformas de entrega de mercadorias não podem ser consideradas intermediárias. Nesses casos, há vínculo empregatício porque a plataforma, para realizar o seu negócio (que é o de entrega), emprega trabalhadores com todos os elementos do vínculo.

Há subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, ou seja, todos os elementos da relação de emprego. Preenche certinho os artigos 2º e 3º da CLT, inclusive com a atualização realizada, em 2011, do parágrafo único do artigo 6º, que diz que o controle e a subordinação por meio telemático ou informatizado equivalem ao pessoal. Se a subordinação estiver inscrita no algoritmo, já está caracterizado o vínculo empregatício.

Apesar de reclamarem das condições de trabalho e dos baixos valores das corridas oferecidas pelos aplicativos, há entregadores que rechaçam a ideia de se tornarem empregados contratados sob o regime da CLT. A flexibilidade de horários permitida pelos aplicativos e os baixo salários pagos pelas empresas de motofrete tradicionais são as principais justificativas. Como o senhor avalia esses argumentos?

Realmente, há muitos trabalhadores de plataformas que não se consideram empregados. Alguns até dizem que não pretendem ser empregados. Ao serem perguntados sobre o porquê disso, falam da "liberdade" e da "flexibilidade" de trabalhar no horário em que desejam. Mas, em primeiro lugar, essa flexibilidade é ilusória. O que a gente percebe nessas plataformas de entrega é que você tem que ter uma sequência de dias de trabalho e fazer um número de horas que realmente acaba com essa flexibilidade. Segundo ponto: flexibilidade de horário nunca foi incompatível com a CLT. A inexistência de controle de jornada para trabalhadores em serviços externos está prevista na própria lei trabalhista desde 1943, no artigo 62. Há inúmeras empresas em que não se bate ponto e os trabalhadores são empregados [com carteira assinada]. Não há incompatibilidade.

Há entregadores sendo pressionados a não participar da mobilização. Em um áudio que circula pelas redes sociais, um Operador Logístico (OL) a serviço do iFood ameaça os entregadores a ele subordinados que aderirem à paralisação. O argumento é de que o entregador no sistema OL é "diferenciado". No que consiste esse sistema e quais são seus principais problemas?

Os Operadores Logísticos são uma espécie de "gato" - uma figura que nós encontramos muito nos casos de trabalho escravo, urbano ou rural. É um intermediário que faz a ponte entre os trabalhadores e a plataforma. Nada mais é do que um capataz da empresa que organiza os trabalhadores e pode até fazer o papel de ameaçá-los. Essa é uma artimanha utilizada há séculos: fazer uma interposição entre os trabalhadores e quem toma a mão de obra. Porém, neste momento em que está permitida a terceirização inclusive da atividade-fim, isso pode representar mais um empecilho para os trabalhadores conseguirem seus direitos. Há juízes que podem acreditar que se trata de uma terceirização. Mas essa não é a melhor interpretação porque a lei não permite a mera figura de intermediação de mão de obra.

O debate sobre a relação de trabalho entre entregadores e aplicativos está ocorrendo no mundo todo. Como essa questão vem sendo equacionada em outros países?

Em cada lugar, há uma solução diversa, mas sempre conflituosa. No caso da França, a Justiça entende que esses trabalhadores são empregados. Mas isso é discrepante com os projetos de lei que o Poder Executivo vem conseguindo aprovar junto ao Legislativo, que indicam a inexistência da relação de emprego. Na Califórnia, foi aprovada uma lei que prevê que esses trabalhadores sejam classificados claramente como empregados, mas as plataformas não cumprem. Na Inglaterra, em breve vai ser julgada a questão dos trabalhadores em plataforma, em especial dos motoristas, para ver se eles se enquadram na categoria chamada "worker". Na Espanha, havia de início um equilíbrio entre reconhecimento e não reconhecimento de vínculo empregatício pela Justiça. Mas a tendência dos julgamentos vem sendo de reconhecer o vínculo.