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Leonardo Sakamoto

Salles lamenta mico sobre mico, e insiste que a Amazônia não está queimando

Colunista do UOL

10/09/2020 23h13Atualizada em 26/09/2020 09h24

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Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, lamentou, na noite desta quinta (10), a postagem de um vídeo em que um mico-leão-dourado, endêmico do litoral do Rio, aparece pimpão na Amazônia como prova de que está tudo bem na região. Mesmo assim, não deu o braço a torcer e afirmou que a maior floresta tropical do mundo não está queimando "como dizem".

Como o ataque é a melhor defesa, aproveitou para chamar de falsas fotos de panelaços contra Jair Bolsonaro, como o ocorrido em várias cidades do país durante o pronunciamento do presidente da República em 7 de setembro.

"Lamento o vídeo contendo o mico-leão na Amazônia, embora realmente ela não esteja queimando como dizem. Da próxima vez, vou antes consultar o mesmo compliance que atuou nas fotos e matérias fake do suposto panelaço!"

Até a onça-pintada que teve as patas queimadas por incêndios criminosos no Pantanal sabe que o mico-leão-dourado vive apenas na Mata Atlântica do fluminense. E na nota de R$ 20, claro.

Salles e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, contudo, feito papagaios, imitaram pecuaristas paraenses que haviam postado o vídeo para convencer o mundo que seriam infundadas as histórias de que a Amazônia tomba e queima. Davi versus Golias: um vídeo de pecuaristas versus milhares de imagens de satélites mostrando a floresta tostar. Como o bolsonarismo não é conhecido pela checagem de informações, não seria um grande problema. Mas, desta vez, pegou mal fora do país.

Particularmente, Salles e Mourão poderiam até postar um vídeo de um lobo-guará num cerradão para dizer que a floresta amazônica está bem se ambos estivessem protegendo ambos os biomas. Seriam considerados excêntricos ao contrário da imagem de irresponsáveis - para dizer o mínimo.

O ministro do Meio Ambiente vem sendo o mais competente dos auxiliares de Jair, pois está entregando aquilo que prometeu ao presidente e ao naco arcaico dos ruralistas. A proposta de aproveitar a pandemia, enquanto imprensa e sociedade estão preocupadas com mortos, para "passar a boiada" contra normas ambientais pode ser deprimente, mas é objetiva e eficaz. E enquanto discutimos a cutucada dele ao ator Leonardo DiCaprio, a vaca vai pro brejo.

Investidores de fundos internacionais que tiverem o mínimo de senso crítico já perceberam que o teatro montado pelo governo brasileirio para convencer que o país está preocupado com o salto no desmatamento e nas queimadas na Amazônia e no Pantanal e que fará tudo ao seu alcance para diminui-los é tão verdadeiro quanto uma nota de R$ 200 com um vira-lata caramelo.

Mesmo quem é rápido como um bicho-preguiça já reparou que um governo - que desautoriza fiscais ambientais, busca a legalização da grilagem e defende madeireiros e garimpeiros ilegais - quer apenas enrolar.

Qualquer urso polar deprimido por estar preso em um pedaço de gelo flutuando no Ártico seria capaz de explicar que o processo de mudanças climáticas não tem a ver com esquerda e direita, mas com a nossa sobrevivência como espécie. Ou seja, é um tema que separa a civilização e a barbárie. E, infelizmente, o governo parece ter escolhido o seu lado na História.

A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas ela imobiliza bilhões de toneladas de carbono que, se lançadas à atmosfera, farão do planeta um lugar pior para se viver. Sem ela, menos água é retirada do solo e jogada no ar. Sem ela, São Paulo pode dar adeus à sua agricultura porque nosso sistema de chuvas dela depende. Sem ela, sobrará um deserto que avançará sobre outras áreas de produção. Pode não ter mico-leão-dourado por lá, mas conta com a maior biodiversidade do planeta. E nela vivem milhões de pessoas, incluindo populações tradicionais, suas línguas e culturas.

O relógio está correndo. Em contagem regressiva.

Ao final, a questão que precisa ser respondida é se o governo está mesmo disposto a combater as ameaças reais que colocam em risco nosso planeta, mudando seu comportamento quanto ao meio ambiente, ou zombará delas enquanto queima dinheiro de exportações de carne, soja, ferro gusa, entre outros, que ficarão bloqueadas em portos pelo mundo, acusadas de crimes ambientais e sociais. Ou enquanto vê dezenas de bilhões em investimentos correrem do Brasil por medo dos riscos do seu terraplanismo ecológico.

O que lembra que o principal mico também vive no Rio, mas é endêmico de um condomínio na Barra da Tijuca.