Salles reforça Brasil como país do turismo de escombros ao atacar manguezal
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Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente e tocador de boiada, conseguiu remover a proteção contra manguezais e restingas no litoral brasileiro. Atendeu, dessa forma, a uma antiga reivindicação de atores do naco anacrônico do setor hoteleiro e da construção civil.
Manguezais são berçários de peixes e outras espécies, além de filtro de água poluída do mar e de rios, instrumento de combate às mudanças climáticas por sequestrar carbono da atmosfera e uma ótima contenção contra a erosão. Para o azar deles (e, portanto, nosso), estão localizados em lugares apetitosos à especulação imobiliária.
O interesse desses setores econômicos é antigo, mas ajuda muito alguém com a visão e a competência de Salles - que, primeiro, desidratou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para, agora, cumprir sua promessa de passar, com menos sociedade civil para atrapalhar, uma boiada de desregulamentação ambiental.
E, claro, Salles é o executor, mas Bolsonaro é o chefe. É dele o compromisso de tornar a vida de quem desmata e devasta, parte de sua base de apoio, mais fácil.
O presidente conta com uma casa de veraneio em um distrito de Angra dos Reis. Foi multado por pesca irregular em uma área de proteção ambiental em 2012 e, após assumir a Presidência, o servidor do Ibama que o multou foi exonerado. Bolsonaro tem fixação por transformar a região da baía da Ilha Grande, rica em manguezais, em uma cópia do balneário mexicano de Cancún - cujo modelo é largamente criticado por seu impacto ambiental.
(A propósito, em Angra, Bolsonaro também mantinha a funcionária fantasma Wal do Açaí - que, agora, sairá candidata à vereadora sob a alcunha de Wal Bolsonaro.)
A prioridade de Salles e Bolsonaro é o turismo de massa e grandes resorts. A garantia da qualidade de vida da população local e do meio ambiente? Pergunta antipatriótica. O impacto na produção de peixes e na qualidade da água? Se ficar ruim, a gente importa.
Um dos atrativos turísticos de locais onde habitavam populações antigas são seus sítios arqueológicos, alguns deles abrigando ruínas que mostram a grandiosidade da cultura que passou por lá.
O Brasil, um país relativamente novo, promove outro tipo de atrativo turístico, o de escombros ambientais. Em que é possível visitar a decadência de sua civilização enquanto ela ainda respira (com dificuldade, claro, devido às queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, na Mata Atlântica...), fazendo de conta que tem um futuro grandioso pela frente.
Isso tem o mesmo DNA de uma outra iniciativa do governo, a da exploração do "etnoturismo" em terras indígenas sem acertar antes com os envolvidos. A questão não foi debatida decentemente junto a lideranças, como as da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mas acabou incluída no plano de combate à covid-19 nas aldeias.
Ou seja, o mesmo governo duramente criticado por permitir, através de sua inação, a morte de indígenas por covid, agora quer permitir a entrada de turistas na casa alheia. Seria irônico, se não fosse sádico. O sentimento é semelhante a ver o ministro do Meio Ambiente abrir caminho para trazer dinheiro estrangeiro para o turismo e, ao mesmo tempo, acabar com áreas de preservação.
O Conama também revogou a exigência do licenciamento ambiental para projetos de irrigação e aprovou a permissão de incineração de restos de agrotóxico em fornos para produção de cimento. Só coisa fina.
Angustia saber que a maioria dos brasileiros só terá a dimensão da agressividade do impacto dessas ações e do que foi o escárnio do seu processo de aprovação quando for tarde demais. Até lá, a boiada já passou e os vaqueiros estarão curtindo uma confortável aposentadoria. Bem longe dos escombros.