Topo

Leonardo Sakamoto

Ataque de Trump à eleição funciona como chamado às milícias de extremistas

15/07/2020 - Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, na cidade de Atlanta - JIM WATSON/AFP
15/07/2020 - Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, na cidade de Atlanta Imagem: JIM WATSON/AFP

Colunista do UOL

04/11/2020 18h38

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os ataques que vêm sendo desferidos por Donald Trump ao sistema eleitoral dos Estados Unidos desde que foi ultrapassado por Joe Biden na contagem de votos servem como convocatória às milícias de supremacistas brancos que o admiram. Ao afirmar que não reconhece as vitórias de seu adversário em estados importantes, acusá-las de fraude e judicializar a questão, ele faz um alerta a esses grupos para que venham às ruas demonstrar sua insatisfação.

Trump não precisa convocar nominalmente os "Proud Boys" (Rapazes Orgulhosos), grupo violento racista, xenófobo e misógino; ou os "Wolverine Watchers", milícia de extrema direita que planejou sequestrar e depor a governadora democrata do Michigan, em outubro; ou mesmo a miríade de milicianos justiceiros espalhadas pelo país - como o rapaz de 17 anos que matou duas pessoas durante manifestação contra o racismo policial em Kenosha, no Wisconsin, em agosto.

Ele precisa apenas acender o fósforo.

Ou seja, sugerir que todas aquelas teorias conspiratórias, bombardeadas nas cabeças desses homens brancos, durante anos, se concretizam neste momento. E alertar que a liberdade e a democracia estão em perigo, mesmo que seja ele que as coloque em risco.

Sabendo que milhões de votos previamente enviados pelo correio, como permite a legislação, começariam a mudar o cenário da corrida eleitoral nas horas seguintes ao fechamento das urnas, Donald Trump fez um discurso irresponsável, acusando fraude, colocando em dúvida a lisura do sistema eleitoral e autoproclamando-se vitorioso.

Na sequência, passou a tuitar freneticamente, atacando adversários e os governos estaduais - responsáveis pela organização das eleições. A máquina de notícias falsas foi turbinada e inundou a rede, plantando dúvida e ódio. Até no Brasil, grupo bolsonaristas de WhatsApp estão revoltados com a "manipulação globalista para tirar Trump do poder".

Após afirmar que pedirá recontagem de votos em Wisconsin, na tarde desta quarta (4), a campanha de Trump divulgou um comunicado dizendo que entrou com ação para suspender a contagem de votos em Michigan. O republicano, que liderou a corrida nos dois estados, foi ultrapassado por Joe Biden - que venceu em ambos.

"Há suspeitas de irregularidades em diversos condados de Wisconsin, o que levanta sérias dúvidas sobre a validade dos resultados", afirmou Bill Stepien, coordenador da campanha do republicano.

Vocês lembram dos dois estados que citei ao falar de milícias há pouco? Imagine o que acontecerá por lá caso o presidente resolva riscar seu fósforo?

Provavelmente, o Estado de Nevada também entrará na lista daqueles que terão seu resultado questionado na Justiça. Com 86% dos votos apurados, e com a contagem suspensa até quinta, Joe Biden aparece com 49,3% e Trump, com 48,7% dos votos.

Trump disse que judicializaria a questão dos votos recebidos por correio, levando-o até a Suprema Corte. Exigiu que eles não fossem aceitos e que a contagem se encerrasse na madrugada desta quarta. Por conta do uso do correio, que foi maior nesta eleição devido à pandemia de coronavírus, a apuração pode se estender para além desta semana.

Mesmo tendo indicado três dos nove juízes do tribunal, de composição majoritariamente conservadora, é difícil imaginar que a Suprema Corte reverterá o resultado caso os votos confirmem Biden. O que pode ocorrer é o resultado oficial demorar a sair.

Mas Trump quer gerar caos social, e conta com a lealdade de milícias e extremistas individuais para embasar a narrativa de que a população está revoltada com as "fraudes" nas eleições e foi às ruas pressionar instituições por novas eleições.

A questão é que os Estados Unidos vivem uma nova onda de protestos contra o racismo estrutural e a violência policial sob o lema Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Desta vez, ela começou com a morte de George Floyd, um homem negro de 46 anos sufocado até a morte em uma abordagem por policiais brancos, em Mineápolis.

Cada caso semelhante, acendia protestos em mais cidades. Em junho, por exemplo, um policial branco matou com um tiro o homem negro Raishard Brooks, de 27 anos, no estacionamento de uma lanchonete, em Atlanta, o que gerou manifestações em toda Geórgia - mais um estado decisivo, no qual Trump e Biden disputam voto a voto.

O número de confrontos de supremacistas brancos com movimentos antirrascistas cresce nos Estados Unidos.

Donald Trump, instado a repudiar o primeiro grupo, saiu pela tangente e atacou movimentos que combatem o fascismo no primeiro debate com Joe Biden na TV. Diante das intensas críticas, recuou e criticou supremacistas. O que, claro, não convenceu.

Em nome de se manter no poder, e evitar um possível julgamento por uma miríade de razões, de atentar contra a saúde pública pelo seu negacionismo na pandemia, passando por sonegação fiscal até traição ao país, ele mostra que não tem pudor de por abaixo os EUA para governar escombros.

Contando que seja ele que governe.