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Leonardo Sakamoto

A festa de Jair Renan e a meritocracia hereditária da família Bolsonaro

Colunista do UOL

10/12/2020 15h15

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O filho 04 do presidente Jair Bolsonaro, Jair Renan, ganhou de presente a cobertura em foto e vídeo da festa de inauguração de sua empresa. A questão é que a produtora que lhe conferiu o mimo presta serviço ao governo de seu pai, tendo recebido R$ 1,4 milhão neste ano.

A história, trazida a público, nesta quinta (10), pela repórter Constança Rezende, da Folha de S.Paulo, reforça o entendimento de que a meritocracia é hereditária no Brasil. Ou, pelo menos, no clã Bolsonaro. Pois é difícil imaginar que milhares de empreendedores sem um sobrenome luminoso seriam agraciados com esse presente.

A empresa de Jair Renan já havia sido alvo de matéria na Veja. Segundo a revista, o 04 solicitou ao gabinete da Presidência da República uma audiência para que um de seus patrocinadores tratasse de interesses comerciais de sua empresa. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, acabou recebendo o mecenas.

Bolsonaristas que tanto reclamaram das relações entre o empreendimento de um dos filhos de Lula com corporações que tinham interesses nas gestões petistas, agora questionam diante da notícia do 04: e o PT? Mas, considerando que o partido e o ex-presidente já foram longamente criticados por isso, inclusive levados à Justiça, a pergunta agora é outra: e o Jair?

Como já disse aqui, o presidente e sua família nunca entenderam muito bem sobre a saudável separação entre cargos públicos e interesses privados. Não são os únicos políticos a fazerem "confusão", mas insistem nela com frequência. Isso faz com que o mimo recebido por Jair Renan seja entendido não como um deplorável desvio pontual, mas como evidência de problema estrutural.

Evidências, aliás, não faltam. Seu pai recebia auxílio moradia tendo imóvel próprio, em Brasília, quando era deputado federal; deu carona para familiares em helicóptero das Forças Armadas no casamento do filho; abusou do nepotismo ao tentar indicar o próprio filho 02 para embaixador nos Estados Unidos - indicação que, por bem das nossas já maltratadas relações internacionais, não foi para frente.

Enquanto isso, o presidente tem sido visto comendo instituições de fiscalização da República, como a Receita Federal, o Coaf, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família.

Na já icônica reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi divulgado por decisão do Supremo Tribunal Federal após ter sido apontado pelo ex-ministro Sergio Moro como prova da interferência de Bolsonaro na PF, disse o presidente: "eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira". Ele tratava de indicações para o órgão no Rio de Janeiro.

E, como escrevi aqui nesta quarta, após a demissão de Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo e dono de "laranjal", também há uma denúncia do Ministério Público do Rio apontando que o filho 01 teria comprado imóveis através de recursos públicos desviados. O ex-assessor Fabrício Queiroz gerenciava as "rachadinhas" do gabinete do então deputado estadual e, hoje, senador Flávio Bolsonaro, recolhendo parte do salário de servidores públicos, alguns deles fantasmas e com relação com milicianos.

O presidente, ao menos, já deixou claro o que pensa do favorecimento da própria prole. Diante das críticas pela indicação do filho 02 à Embaixada nos EUA, disse em 18 de julho do ano passado:

"Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou."

Pena que "sinceridade" não enche a barriga dos milhões que deveriam ser prioridade do governo e ficarão sem auxílio emergencial e sem emprego muito em breve.