Sem vacina, Bolsonaro adota tática de pôr em dúvida segurança da vacinação
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Para se eximir por seu governo ainda não contar com uma vacina contra a covid para ser aplicada nos brasileiros e mitigar o fato de o imunizante mais próximo estar sendo fabricado pelo governador de São Paulo, seu arquirrival, Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito uma campanha contra as vacinas e a vacinação. No lance mais recente, disse, nesta terça (15), que não irá se vacinar, colocou em dúvida a segurança do processo e até insinuou uma campanha para alertar a população sobre as vacinas, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na TV Bandeirantes.
Presidentes são vistos por muita gente como exemplos, mesmo Bolsonaro. Declarações assim, portanto, causam impacto. O que passa pela cabeça do cidadão comum, que não acompanha o desenvolvimento de medicamentos, quando o presidente defende algo que nunca aconteceu antes: que a pessoa assine um termo de responsabilidade ao tomar a vacina para isentar o governo por eventuais efeitos colaterais?
Quase 22% das pessoas não querem se vacinar - em agosto, a quantidade era de 9%. E metade afirma que não tomaria uma vacina desenvolvida na China, segundo o Datafolha. Bolsonaro tem responsabilidade nisso, ao pregar a dúvida sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes.
Em seus cálculos, com menos gente querendo a vacina, a pressão sobre seu governo também é menor.
Muitas das propostas estapafúrdias não se tornarão realidade, mas o que importa é que o barulho cria uma dúvida onde antes não havia. E vai durar por um longo tempo, impactando a imunização contra outras doenças.
Depois que o Datafolha afirmou, no domingo (13), que 52% da população crê que o presidente da República não tem culpa nenhuma pelas mortes na pandemia, ele se sentiu ainda mais à vontade para usar táticas como essa. Ou seja, que encarem vida e morte na pandemia como um problema da população, não do Estado, nem dele.
Jair Bolsonaro nunca deve ter perdido uma noite de sono por contas dos milhares de brasileiros mortos por covid-19. Como ele mesmo diz: "lamento os mortos, mas é o destino de todo mundo". Chamá-lo de "assassino" ou de "genocida", por mais pertinente que seja, não deve provocar no presidente uma mísera ruga de preocupação. Pelo contrário, é provável que celebre o fato por ajudá-lo a se manter nos holofotes.
O povo pode até contrair um cruzamento de ebola e varíola, desde que ele não seja apeado do poder, que o caminho para a sua reeleição continue sendo pavimentado, que seus filhos não se tornem réus, nem sejam condenados e que Fabrício Queiroz, o amigão que, segundo o próprio presidente, pagava as contas dele, não vá para a cadeia - de novo.
Grupos de WhatsApp de assessores de ministérios celebraram como se fosse gol em final de Copa do Mundo esses 52% do Datafolha - que ainda apontou estabilidade na aprovação geral de Bolsonaro, em 37%.
Com a percepção de que a maioria não reclama da sua estratégia, o presidente sentiu que tem um salvo-conduto. Prova disso é que aglomerou centenas de trabalhadores no Ceagesp para um "comício", enquanto a pandemia escala em São Paulo.
E aprofundou a guerra política com o governador João Doria e a Coronavac, que foi desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e está sendo produzida pelo Instituto Butantan. Doria, aliás, deve mais explicações sobre a razão do adiamento na divulgação dos resultados dos testes da fase 3 dessa vacina, conforme reclamações de pesquisadores e médicos. O que mostra que não é apenas o presidente que joga com a saúde dos brasileiros.
Bolsonaro não tem medo que pessoas morram, preocupa-se apenas que a economia volte a fechar se a pandemia crescer, tornando insustentável este ensaio de retorno à vida coletiva. Acredita que o impacto do luto de 182 mil famílias é pouco diante das reclamações de 14,1 milhões de desempregados.
O que é uma falsa polêmica. Bombar aglomerações, negar a vacinar a si mesmo, chamar quem tem medo de morrer de covid de "maricas" ajuda a mobilizar os seguidores fanáticos e a garantir que a mídia dê cobertura, mas também a estender demasiadamente a duração da pandemia porque as pessoas continuam a se contaminar.
É, portanto, ele e não os prefeitos e governadores que respeitam quarentenas, o responsável por alongar a covid no Brasil. A doença poderia ter tido um primeiro ciclo mais curto, caso houvesse articulação nacional para a adoção de isolamento social, com cronogramas diferentes para diferentes áreas. Ao invés disso, tivemos terraplanismo biológico, negacionismo e irresponsabilidade de Bolsonaro. Com isso, vidas, empregos e negócios sofrem.
O Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que ostenta um arremedo de plano de vacinação, reúne elementos para passar por um processo de impeachment. Mas dificilmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, levaria isso adiante. Sem contar que, de onde brotou Pazuello, tem muita gente ainda que pode ser nomeada para assustar e chocar.
O presidente Jair Bolsonaro também poderia ser alvo de um processo de impeachment. Razão ligada à pandemia tem de sobra. Mas o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, não permitiu que nenhum dos pedidos prosperasse sob a justificativa de que o Congresso tem que se focar na covid.
O problema é que o não-afastamento de Bolsonaro é o que impede o Brasil de se focar na covid. Se há 22% que não querem tomar vacina, ainda temos outros 73% que desejam ser imunizados e não podem porque o governo federal tem sido irresponsável.
É óbvio que o que ele está fazendo com a saúde pública é criminoso. Mas quem vai pará-lo? Notinhas de repúdio?