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Leonardo Sakamoto

'Não consigo fazer nada', reclama Bolsonaro. Pede para sair, presidente

Colunista do UOL

05/01/2021 14h32Atualizada em 06/01/2021 09h57

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"Chefe, o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada", afirmou Jair Bolsonaro, nesta terça (5), a apoiadores em Brasília.

E, como sempre, culpou a imprensa. "Essa mídia sem caráter. É um trabalho incessante de tentar desgastar para tirar a gente daqui e atender interesses escusos da mídia", disse.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que um presidente da República é eleito para garantir qualidade de vida à população brasileira e não para combater fantasiosas "mamadeiras de piroca", lutar contra inexistentes conspirações de vacinas que transformam humanos em jacarés ou usar o cargo para proteger a família e os amigos.

Se ele analisa que não é capaz de cumprir a exigência do cargo que ocupa, tirando o Brasil do atoleiro, o mais justo e honrado a ser feito é renunciar e dar lugar a quem saiba.

A função da imprensa em uma democracia é fiscalizar o poder público. Destaque-se que todo político tem direito ao livre espernear. Bolsonaro, porém, vai além e ataca sistematicamente o jornalismo e os jornalistas que não o chamam de "mito".

Dito isso, a declaração é mais um capítulo do mimimi que ele usa para animar a tropa e distrair o resto do que realmente importa.

Bolsonaro não assume responsabilidades. Ele as terceiriza.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), seu primogênito, é alvo de denúncia por desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa? Invenção da imprensa maldita. O Brasil conta 200 mil mortos na pandemia? Culpa de governadores e prefeitos. Desmatamento na Amazônia sobe? Mentira de nações estrangeiras, de indígenas e, claro, de Leonardo DiCaprio. A narrativa construída por Bolsonaro, seus filhos e aliados é de que, apesar das evidências, eles não têm responsabilidade por nenhum dos seus atos. Sim, parece brincadeira, mas somos governados por pessoas que se colocam como inimputáveis.

Bolsonaro tem um projeto sólido de governo: o da própria reeleição.

O plano nacional do Palácio do Planalto para articular os diferentes atores da federação a fim de combater a covid-19 e adquirir vacinas antecipadamente em número suficiente para salvar vidas e proteger a economia tinha o mesmo número de páginas do seu plano nacional para gerar empregos formais e proteger direitos: zero. Todas as energias são usadas para garantir que ele e sua família continuem no poder. E, quando há uma brecha, tentar lapidar o país à sua imagem e semelhança nas pautas de costumes e de comportamento.

Além das vidas perdidas, Bolsonaro ajudou a detonar empregos.

Como sua natureza beligerante o torna incapaz de coordenar o país em prol de um objetivo comum, ele não preparou o Brasil para a mais importante guerra de sua história. Abraçou o inimigo, o coronavírus, defendendo que a melhor forma de para-lo é deixando que ganhe. Se não tivesse jogado contra as quarentenas, elas teriam sido ainda mais efetivas e poderíamos ter retomado uma vida quase normal ao menos por um período de tempo. Foi ele, portanto, que ajudou a quebrar o país, deprimindo a economia e ceifando empregos.

Bolsonaro agora vende miragens, contando que o povo coma ilusões.

O presidente havia proposto R$ 200 de auxílio emergencial, mas o Congresso Nacional pressionou para que subisse esse valor. Ao longo de 2020, surfou na popularidade do benefício, que acabou em dezembro. Como sua gestão não tem projeto para a pandemia, nem para o emprego, o país ficou atolado num número, 14 milhões: o total de famílias em extrema pobreza no cadastro único para programas sociais do governo federal ultrapassou 14 milhões e alcançou o maior patamar dos últimos seis anos. Ao mesmo tempo, o desemprego atingiu 14,3% no trimestre encerrado em outubro, com mais de 14 milhões procurando serviço sem sucesso, segundo o IBGE.

Agora, Jair faz uma nova declaração para atiçar seus seguidores nas redes sociais, fomentar a indignação da imprensa e chamar a atenção de formadores de opinião a fim de permanecer em evidência no momento em que chegamos à marca de 200 mil mortos pela covid-19.

Ao invés de apresentar um projeto decente de vacinação, fomenta na população a descrença na efetividade e segurança na vacina de forma a reduzir a demanda por ela - já são 22% que não querem se vacinar. Até porque ele não tem e, pelo visto, não terá imunizante para todo mundo.

Na prática, quem é rico vai acabar indo para a rede privada e quem é pobre e não é do grupo prioritário terá que contar com a própria sorte. Isso não consequência do livre mercado, mas de um governante que decide não governar e, com isso, quer reduzir a procura porque não terá oferta.

Com isso, o Brasil se afunda ainda mais em desigualdade. A desigualdade que dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração e leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

Bolsonaro age para convencer o povo que não poderia fazer nada sobre isso, quando é ele o principal culpado. Infelizmente, ele vem tendo sucesso na empreitada, pelo que apontam as pesquisas de opinião. Por enquanto.

"Chefe, o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada." Seria ótimo que não fizesse nada mesmo. Porque, sempre que faz, reduz o país a escombros.