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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Profecia de Jair, de que vírus acaba até dezembro, depende de sua renúncia

Pilar Olivares/Reuters
Imagem: Pilar Olivares/Reuters

Colunista do UOL

06/03/2021 11h51

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Bolsonaro vem dizendo, desde abril do ano passado, que a pandemia está acabando. Nesta sexta (5), reforçou a profecia ao cravar que, "até o final do ano, acabou vírus, já, com toda certeza". Não há nada que corrobore a afirmação presidencial sobre o fim da pandemia. Pelo contrário, ao que tudo indica avançaremos 2022. Dita a um grupo de seus fãs e apoiadores, na entrada do Palácio do Alvorada, foi literalmente mais uma conversa pra boi dormir.

Que é mentira, sabemos, afinal, é Jair. Se tivéssemos outro presidente, talvez o país conseguisse controlar a transmissão até o final do ano. Mas se tivéssemos outro presidente, seríamos outro país, com um povo que respeitasse mais a vida dos outros.

País em que o ministro da Economia, em março do ano passado, profetizou que "com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus". E ainda teve a pachorra de completar: "Porque já existe bastante verba na saúde, o que precisaríamos seria de um extra". 

A questão é quantas vidas mais vão se acabar porque ele resolveu deixar o coronavírus seguir seu curso natural sem importuná-lo? Nesta semana, o país registrou 1.726 óbitos na terça, 1.840, na quarta, 1.786, na quinta, e 1.760, na sexta, permanecendo 44 dias com média móvel de óbitos acima de mil.

Achando que ainda está pouco e que cabe mais, Bolsonaro chamou de covardes quem fica em casa, promovendo aglomerações. E, para quem chora seus mortos, disse, em um evento em São Simão (GO), que é hora de parar com "frescura" e "mimimi".

Deve considerar uma afronta os Estados Unidos estarem à frente em número de mortos (522 mil, contra nossos 263 mil) e corre para ultrapassar. Com a saída de Donald Trump, com quem estabeleceu um bromance de mão única, Bolsonaro está livre para discordar do "America First".

E há uma chance de conseguir. Enquanto o grande irmão do norte despeja imunizante na sua população, o Brasil só tem compras contratadas de vacinas para cobrir 65% da sociedade, segundo levantamento do jornal O Globo. Com isso, entraremos em 2022 sem o suficiente para gerar imunização coletiva. E, sem ela, o coronavírus seguirá circulando e matando.

Pressionado, o presidente chamou de "idiotas" quem pede que ele compre vacinas. "Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo!", ruminou Bolsonaro na quinta (4). Tinha no ano passado, mas ele não quis. Preferiu fazer a gente passar vergonha em várias línguas ao ganhar as manchetes de jornais pelo mundo que diziam que o presidente brasileiro defendeu que quem toma vacina vira "jacaré".

Ele acredita que a melhor solução é ir para a rua. E e, se pegar a doença, pegou. E se morrer, morreu. E todos temos que fazer nosso sacrifício para fazer a economia girar a fim dele não ter problemas com sua reeleição. Afinal, se o brasileiro é um forte, quem morre é "maricas".

Para ele, o melhor imunizante é contrair o vírus. "Eu tive a melhor vacina, foi o vírus", disse no dia 23 de dezembro para o seu rebanho. E acrescentou "sem efeito colateral". Se ele não sabe que a imunidade de quem contrai a doença pode durar pouco, vai ter uma supresa.

Na visão do bolsonarismo, a pandemia só vai acabar quando todos pegarem, como uma forma de seleção natural que privilegia não os fortes, mas os mais ricos que têm acesso a tratamento mesmo com a saúde em colapso.

O vírus não acaba até o final do ano. Mas Bolsonaro vai acabando com os valores que nos mantém unidos como sociedade. Como já disse aqui, o risco desse projeto que vem se mostrando resiliente é que o Brasil saia dessa crise à imagem e semelhança do presidente: insensível à dignidade humana, com cada um lutando, como ele, por sua própria alegria e sobrevivência.

Quem poderia fazer algo, o Congresso Nacional, está alugado até 2022. Talvez, 2026. Até que cumpra sua função constitucional de defender a dignidade da população, precisa ser chamado pelo nome certo: cúmplice.

Em tempo: Enquanto manda procurarmos vacina na casa de nossas mães, Bolsonaro aproveita para jogar uma cortina de fumaça sobre a compra da nova casa de seus filho, o senador Flávio Bolsonaro. Custou R$ 6 milhões, ironicamente o mesmo valor que ele é acusado de desviar na Assembleia Legislativa do Rio.