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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Salles achou que podia tripudiar sobre a PF como faz com ambientalistas

Colunista do UOL

19/05/2021 12h00

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O espantoso não é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter sido alvo, nesta quarta de Pazuello, de uma operação da Polícia Federal que apura suspeitas de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando de madeira. A surpresa foi que isso aconteceu só agora.

Autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a Operação Akuanduba, nome de uma divindade dos índios Araras, também atinge outros servidores da pasta. O presidente do Ibama, Eduardo Bim, foi afastado do cargo. Os sigilos bancário e fiscal do ministro foram quebrados.

Ricardo Salles é considerado um dos ministros mais eficientes de Bolsonaro. Ele não pode ser chamado de o "Pazuello do Meio Ambiente" porque, reconheçamos, Salles é esperto, o que o torna uma ameaça ainda maior para o futuro do planeta.

Sem chamar atenção por comportamentos circenses, agiu para demolir a fiscalização, regras e leis, enquanto mentia ao Brasil e ao mundo que o meio ambiente estava protegido.

Dessa forma, atende a madeireiros e garimpeiros que atuam de forma ilegal e fazem parte da base de apoio de Jair Bolsonaro, mas serve também ao naco anacrônico do agronegócio, que, ao agir de forma criminosa, coloca em risco a imagem e a qualidade dos produtos brasileiros.

A eficácia silenciosa do ministro ficou clara em uma reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando Salles recomendou ao seu chefe aproveitar a atenção da imprensa aos mortos e doentes pela covid-19 para enfraquecer as regras de proteção ambiental.

"Nós temos a possibilidade, nesse momento em que a atenção da imprensa tá voltada quase que exclusivamente pro covid (...), de ir passando a boiada e mudando o regramento", afirmou Salles, como pode ser visto no vídeo divulgado, no dia 22 de maio, após decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

E ele vem conseguindo cumprir o seu objetivo, o que ajuda a explicar a investigação da PF.

A operação acontece após dois fatos. O primeiro é um pacote de ações que depõe contra o trabalho de controle e monitoramento do governo federal. Isso inclui um despacho do Ibama que permitiu a exportação de produtos florestais sem necessidade de autorização.

Havia uma insatisfação latente com as constantes podadas na fiscalização ambiental, desde 2019, que culminaram em instrução normativa do Ministério do Meio Ambiente de abril deste ano. A IN alterou o processo de fiscalização, impondo entraves. Servidores do Ibama e do ICMBio afirmam que isso provocou um "apagão" no processo de apuração de infrações.

O segundo foi a exoneração do Superintendente da Polícia Federal no Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva. Responsável pela maior apreensão de toras da história do país, ele criticou Salles por ter saído em defesa dos madeireiros.

Disse que nunca tinha visto um ministro se manifestar contra uma ação para proteger a Amazônia. "É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo", afirma. Saraiva chegou a enviar uma notícia-crime ao STF afirmando que Salles havia dificultado uma fiscalização ambiental e patrocinado interesses privados. Acabou substituído pelo governo Bolsonaro.

Ricardo Salles bateu de frente com uma das mais fortes corporações do país, a Polícia Federal. E apesar das ações de Bolsonaro para sequestrar instituições para suas necessidades políticas e pessoais, uma parte da Polícia Federal mostra que não aceita se tornar a guarda pretoriana de Jair.

Como o governo brasileiro vai explicar a investidores estrangeiros e outros países que a sua polícia investiga o seu ministro do Meio Ambiente por ajudar no comércio ilegal de madeira da floresta amazônica vai ser algo triste e interessante de se ver.