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Diretor do Butantan reforça que Bolsonaro sabotou vacinação no Brasil
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O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, confirmou, na manhã desta quinta (27), na CPI da Covid, que as declarações de Jair Bolsonaro não eram apenas bravata política de internet, como afirmou à comissão o general Eduardo Pazuello, mas que as intervenções públicas do presidente da República descreviam com exatidão as decisões que ele tomou para sabotar a aquisição de vacinas que poderiam evitar mortes.
"A [vacina] da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. Esse é o pensamento nosso. Tenho certeza que outras vacinas que estão em estudo poderão ser comprovadas cientificamente, não sei quando, pode durar anos. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá."
A declaração de Bolsonaro, em entrevista à radio Jovem Pan, data de outubro do ano passado. Foi dita após ele ter desautorizado Pazuello, então ministro da Saúde, de comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida pelo Instituto Butantan.
"Já mandei cancelar, se ele assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade, até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós", disse Bolsonaro na época.
Se já estava claro no depoimento de Carlos Murillo, gerente geral da Pfizer para a América Latina, que o presidente atrasou o processo de imunização dos brasileiros ao negar a oferta de 70 milhões de doses da farmacêutica em 26 de agosto, isso foi mais do que reforçado com a participação de Dimas Covas na CPI da Covid.
A Pfizer prometia a entrega de 1,5 milhão de doses ainda em 2020, o Instituto Butantan, bem mais. Covas alertou que ofertou ao governo federal, no dia 30 de julho, 60 milhões de doses da vacina que poderiam ser entregues até dezembro do ano passado. A turma de Jair ignorou.
Em outubro, após negociações, o então ministro Eduardo Pazuello chegou a anunciar a contratação das tais 46 milhões de doses, mas foi desautorizado naquele episódio que terminou com a patética cena de humilhação pública do general dizendo "um manda, outro obedece".
"Isso impediu a vacinação de milhões de pessoas em um prazo anterior do que [efetivamente] começou. Infelizmente nós temos a segunda posição do mundo em número de óbitos. Poderia ser amenizada", afirmou o diretor do Butantan. Segundo ele, o Brasil poderia ter sido o primeiro país a começar a imunizar sua população.
Bolsonaro não viria a mudar de comportamento em 2020. Em 17 de dezembro, ele defendeu a ineficaz cloroquina e falou a célebre frase "Se tomar e virar um jacaré é problema seu. Se virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela [Pfizer] não tem nada com isso", um desincentivo à vacina. Dois dias depois, afirmou que "a pressa pela vacina não se justifica", ecoando a ironia feita por Pazuello, dias antes, ao comentar a cobrança por um plano de vacinação: "Para que essa ansiedade, essa angústia?"
Quando percebeu, em janeiro, que o governador João Doria (PSDB) largaria na frente porque tinha CoronaVac na mão enquanto o governo federal não havia recebido as doses da Oxford/AstraZeneca, Jair correu atrás de abraçar a "vacina chinesa".
Em 4 de março, o discurso era outro. Cobrado por mais vacinas, disse: "Tem idiota que a gente vê nas mídias sociais, na imprensa, [dizendo] 'vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe. Não tem para vender no mundo", em visita a Uberlândia (MG). Mentira: ainda tinha, tanto que acabou comprando. E tinha ainda mais, contudo ele não quis comprar na época, como o depoimento de Covas reforça.
Se o país tivesse feito sua lição de casa, contratado antecipadamente milhões de doses de uma cesta de vacinas ao invés de apostar apenas na da Universidade de Oxford/AstraZeneca e se o país não tivesse gastado um tempo precioso atacando o laboratório chinês Sinovac e o governo do Estado de São Paulo, poderíamos estar retornando às atividades normais, como outros países. Com menos mortos e uma retomada sólida dos empregos e da economia.
Mas Bolsonaro rifou a saúde pública em nome da estratégia de promover um contágio rápido da população em busca de uma imunidade de rebanho, mas também de uma disputa eleitoral com o governador João Doria. A vacina não é garantia absoluta de que tudo ficará bem, mas é um passo fundamental. Sem ela, continuaremos nos afogando em ondas de covid.
"A pressa pela vacina não se justifica", segundo o presidente, porque, para ele, ela coloca em risco a saúde da população. Bolsonaro inferiu que as vacinas podem não ser seguras, mesmo tendo passado em todos os testes. Talvez se esses testes tivessem sido revisados pela Universidade do WhatsApp e não pela comunidade científica, ele confiaria. Ou se fossem feitas de cloroquina.
O problema é que ele já causou um estrago, em vidas e empregos, difícil de ser mensurado. E fez isso após ter neutralizado parte de instituições, como a Procuradoria-Geral da República e o Congresso Nacional, que, em uma situação de normalidade democrática, permitiriam que ele fosse interrompido antes que o estrago acontecesse. Nesse sentido, a CPI chega tarde. Mas ainda a tempo de expor o descalabro para tentar evitar que a catástrofe seja ainda maior.
Tudo isso indica que o país tem duas enfermidades. Para uma delas, a vacina chegou desnecessariamente atrasada. Para outra, a vacina só estará à disposição em outubro de 2022.