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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Copa América: Há 8 anos, outra Copa precedeu protestos que mudaram o Brasil

30 de junho de 2013: Policiais e manifestantes nos arredores do Maracanã na final da Copa das Confederações - Eduardo Knapp/Folhapress
30 de junho de 2013: Policiais e manifestantes nos arredores do Maracanã na final da Copa das Confederações Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Colunista do UOL

31/05/2021 12h52

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A Conmebol anunciou que a Copa América será realizada no Brasil em meio a protestos que acusam o governo Bolsonaro de ser responsável pelo caos que produziu 462 mil mortes por covid-19. Há oito anos, a Copa das Confederações era realizada no dramático Junho de 2013, tornando-se palco de manifestações que ajudaram a mudar a política dos anos seguintes.

A competição veio para cá após a insatisfação da população da sede anterior, a Argentina, devido ao agravamento da pandemia. Aqui também vivemos um momento delicado, com o início da terceira onda e falta de vacinas. Mesmo assim, o governo aceitou o pedido da CBF para hospedar o evento.

"A Conmebol agradece ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, assim como à Confederação Brasileira de Futebol, por abrir as portas do país ao que hoje em dia é o evento esportivo mais seguro do mundo", afirmou a entidade no Twitter. Ela não detalhou como vai garantir que, mesmo sem público nos estádios, o evento não seja promotor do vírus.

Por conta da pandemia de Gripe Espanhola, o Brasil adiou em um ano a realização da terceira edição da Copa América em 1918, que naquela época se chamava Campeonato Sul-Americano. O que faz do governo da República Velha cientificamente mais moderno que o do atual presidente.

Em 15 de junho de 2013, a ex-presidente Dilma Rousseff foi vaiada ao declarar a abertura da Copa das Confederações, quando o Brasil ganhou do Japão por 3 a 0. Do lado de fora do estádio Mané Garrincha, em Brasília, a Polícia Militar lançava bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha em manifestantes.

Os protestos, puxados pela esquerda, reclamavam dos investimentos bilionários para construir estádios e preparar cidades para a Copa do Mundo, realizada no ano seguinte. Incluíam denúncias de violações de direitos fundamentais na remoção forçada de comunidades e na superexploração de trabalhadores da construção civil.

Aquele dia 15 estava estrategicamente posicionado entre a quinta-feira (13), quando a Polícia Militar de São Paulo atacou uma manifestação pacífica que exigia a redução nas tarifas do transporte público, deixando muitos feridos, inclusive com perda de visão, e o 17 de junho, quando centenas de milhares de jovens foram às ruas pelo país. Naquela famosa segunda-feira, juntaram às demandas da tarifa, o repúdio à violência policial e as exigência de políticas públicas para uma melhor qualidade de vida.

Independentemente da análise que se faça sobre as Jornadas de Junho de 2013 e sobre quem se apropriou e se beneficiou dos desdobramentos dos protestos, o fato é que desde então vivemos um período politicamente turbulento.

O anúncio da transferência da Copa América para o Brasil ocorre um dia após o presidente Jair Bolsonaro ter sido vaiado em mais de 200 cidades em protestos que pediram seu impeachment devido às suas ações e omissões diante da pandemia. As manifestações também exigiram vacinação em massa imediata e aumento do piso do auxílio emergencial de R$ 150 para R$ 600.

A situação não é a mesma que em junho de 2013, mas são dois momentos ligados. Para alguns, por uma relação de causa e consequência, por outros, do início da mudança de período histórico, com o começo do fim da Nova República. E não deixa de ser uma curiosa coincidência que uma nova Copa apareça no momento em que uma parte da população comece a ir às ruas contra o governo federal, reclamando exatamente da falta de políticas públicas.

No dia da final da Copa das Confederações, em 30 de junho de 2013, milhares de pessoas protestaram nos arredores do Maracanã, no Rio de Janeiro, enquanto o Brasil sagrava-se vencedor, encaixando 3 a 0 na Espanha, então campeã mundial. Reclamavam dos gastos para a construção de estádios e da remoção de moradores para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016. Mais bombas, spray de pimenta e balas de borracha, produzindo feridos.

Oito anos depois, a Polícia Militar disparou bombas, spray de pimenta e balas de borracha, produzindo feridos durante um protesto contra Bolsonaro, em Recife, neste sábado (29). O governo estadual afastou os comandantes da operação e afirmou que deve indenizar duas pessoas que foram feridas pela polícia e devem perder a visão. O caso tem sido usado para reforçar que a Polícia Militar age de forma violenta e parcial quando a manifestação vai contra a ideologia que ela acha a correta.

Seria tentador dizer que a história se repete como farsa no caso da violência. Mas isso seria muito refinado para o atual contexto. Digamos que é pão e circo servido no Dia da Marmota.