Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desconhecido que diz ser o ministro da Educação age como o da Saúde na TV

Milton Ribeiro, que diz ser o ministro da Educação - Isác Nóbrega/PR
Milton Ribeiro, que diz ser o ministro da Educação Imagem: Isác Nóbrega/PR

Colunista do UOL

20/07/2021 22h22

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Um homem que se apresentou como ministro da Educação (difícil determinar se isso é verdade, uma vez que o cargo parece vago nos últimos tempos) fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, na noite desta terça (20), comportando-se como se fosse o ministro da Saúde. Conclamou estudantes, professores e funcionários de volta às aulas presenciais.

Ressalte-se que as aulas presenciais já voltaram ou devem voltar, em breve, à maioria das escolas do ensino básico, mesmo com a falta de apoio para os trabalhadores das escolas públicas, a estrutura limitada para distanciamento social e o avanço da imprevisível variante delta. Então, qual a razão do pronunciamento do desconhecido?

Antes de mais nada, vale deixar claro que escolas deveriam ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir durante uma pandemia. Se tivéssemos um governo decente guiado pela ciência, teríamos uma coordenação nacional no enfrentamento à covid-19, com parâmetros para o funcionamento da educação e proteção da comunidade escolar. Se tivéssemos um governo decente, o Brasil teria passado por lockdowns rigorosos e curtos, alternados com períodos de abertura e de retorno às aulas. Se tivéssemos governo, teríamos vacina em dezembro, com profissionais de educação sendo imunizados logo no começo junto aos da saúde.

O que vimos, contudo, foi sabotagem por parte do presidente da República visando à contaminação ampla da população a fim de atingir uma irreal imunidade de rebanho. E a ação de quadrilhas dentro do Ministério da Saúde, usando intermediários para superfaturar e sangrar propina dos cofres públicos.

O governo federal poderia ter feito muita coisa para ajudar crianças e adolescentes a atravessar esse momento difícil, principalmente os mais pobres. Como garantir acesso à rede. Jair Bolsonaro, contudo, estava mais interessado em vetar a aprovação do projeto que garantiu internet de graça a milhões de crianças e adolescentes que não a têm em casa. Para que não restasse dúvida, ele não só vetou como após ter seu veto derrubado pelo Congresso, foi ao STF contra a proposta.

O homem que se apresentou como ministro da Educação nesta terça avançou sobre competência que deveria ser de Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, em seu pronunciamento, ao garantir que este é o momento para todos voltarem às aulas presenciais. Tratar de assuntos como o atual estágio da pandemia, o retorno às aulas e a garantia de que protocolos sanitários poderão ser seguidos principalmente nas escolas públicas mais precárias deveria ser assunto que envolvesse os dois ministros e não apenas um. E por que Queiroga não estava lá?

"O Brasil não pode continuar com as escolas fechadas, gerando impactos negativos nesta e nas futuras gerações. Não devemos privar nossos filhos do aprendizado necessário para a formação acadêmica e profissional deles. Estudos apontam que o fechamento de escolas traz consequências devastadoras", despejou obviedades o tal de Milton Ribeiro.

Creio que todos concordamos que o fechamento de escolas, medida tomada para reduzir o contágio da covid-19, afetou severamente a alfabetização e a socialização de crianças e o aprendizado e a saúde mental de adolescentes. E que os mais pobres foram os que mais sofreram, sem acesso a computadores ou internet de qualidade para poderem compensar minimamente com aulas remotas.

A questão é que a situação da Educação não está desvinculada da situação do restante do país. Ao ter sabotado sistematicamente o isolamento social e as quarentenas, Jair Bolsonaro estendeu demasiadamente a pandemia e, com isso, manteve escolas fechadas por mais tempo. O seu negacionismo acabou sendo um golpe violento no futuro dos estudantes.

O desconhecido na TV disse que, agora, não será um retorno a qualquer preço: "Fornecemos protocolos de biossegurança sanitários a todas as escolas, tanto da educação básica quanto do ensino superior".

O que não é verdade. O preço existe sempre. Nós como sociedade é que temos que ponderar como e quando voltar às aulas considerando os danos aos estudantes e à sociedade. É uma decisão consciente de pesar os riscos de ambos os lados. Não é uma dicotomia educação versus saúde, mas educação com saúde.

Pois protocolos são fornecidos, mas se eles cabem na realidade é outra história que ninguém gosta de comentar. Há escolas públicas em que professores tiveram que quebrar os vidros das salas de aula porque as janelas eram parafusadas e travadas com grades para evitar roubos. Só assim foi possível garantir alguma ventilação de ar.

O tal desconhecido também se mostrou um bolsonarista de carteirinha, uma vez que é adepto da modalidade olímpica do Arremesso de Responsabilidade à Distância, jogando a culpa em Estados e municípios, como faz sempre o presidente. "O Ministério da Educação não pode determinar o retorno presencial das aulas, caso contrário eu já teria determinado", disse.

Ou seja, Jair Messias mandou um desconhecido à TV para, na prática, dizer ao povo que foram governadores e prefeitos os responsáveis pela demora na volta à vida normal, tal como ele mesmo fez em seus pronunciamentos da TV.

Aproveita-se, assim, do cansaço da população com a pandemia. E joga mais um pouco de cortina de fumaça sobre os seus problemas de corrupção na compra de vacinas e sobre a insatisfação da população com a aprovação de um fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões.

"Precisamos enfrentar juntos os desafios impostos pela pandemia", disse o autointitulado ministro da Educação.

Ótimo. Mas por que o governo do qual você faz parte nos deixou sozinhos nessa? E onde você estava todo esse tempo?