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'Questão não é mais se teremos apagões, mas quando e por quanto tempo'
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Por Sergio Cortizo*, especial para a coluna
Estudo do Operador Nacional de Sistema (ONS) aponta que o Brasil deve passar por apagões antes de dezembro deste ano. Ou seja, a questão não é mais se haverá interrupção de energia, mas quando e por quanto tempo.
O ONS publicou em 25 de agosto uma nota técnica (NT-ONS DGL 0093/2021), avaliando a situação do Sistema Interligado Nacional (SIN) até o final de novembro deste ano. O documento adota premissas realistas quanto às vazões dos rios nos próximos meses. Veja o primeiro gráfico.
O estudo do ONS analisa dois cenários de atendimento da demanda energética, denominados casos A e B. A diferença entre eles é que o caso A trabalha com as condições reais de geração, enquanto o B tem um caráter contrafactual: ele estima quanta energia adicional o país deveria ser capaz de gerar para evitar o desabastecimento antes do final de novembro.
No caso A, a conclusão é que vai faltar energia mesmo com todas as medidas emergenciais adotadas:
"Mesmo com o esgotamento dos principais recursos hidráulicos do Sudeste/Centro-Oeste, com o atingimento da faixa de restrição das usinas da bacia do São Francisco, com despacho térmico pleno, e com maximização da transferência de energia do Norte/Nordeste para o Sudeste considerando limites de transmissão flexibilizados segundo o critério N-1, os recursos são insuficientes para atendimento a mercado de energia, resultando em déficits de 3.824 MWmês no mês de outubro e de 3.746 MWmês no mês de novembro", diz a nota técnica.
E, no caso B, ela avalia que "para assegurar o atendimento energético é imprescindível o aumento da oferta em cerca de 5,5 GW med entre setembro/21 e novembro/2021, totalizando 16,5 GW mês".
Portanto, o ONS já avisou, nas entrelinhas da nota técnica, que um apagão deve acontecer antes do final de novembro deste ano.
Para se entender os números do ONS, é importante conhecer a diferença entre dois tipos de apagão, conhecidos no jargão eletrotécnico como "crise de energia" e "crise de potência".
No sistema, a energia elétrica é produzida no mesmo instante em que ela é consumida, ou seja, a eletricidade deve ser gerada no mesmo segundo em que ela será usada, exatamente na quantidade demandada pelos consumidores, além das inevitáveis perdas durante a transmissão e distribuição. Daí a expressão "atendimento da demanda", significando que, em cada segundo, a demanda é definida pelos consumidores de energia elétrica, cabendo ao operador do sistema gerar exatamente a quantidade demandada em tempo real.
A fim de atender a demanda, alguma forma de energia é convertida para eletricidade no momento da "geração". Essa fonte de energia original pode ser hidráulica, térmica, nuclear, solar, de biomassa ou alguma outra fonte não utilizada no SIN.
Algumas dessas fontes de energia podem ser armazenadas para serem convertidas para eletricidade no momento necessário, enquanto outras não podem.
Tipicamente, as fontes hidráulica, térmica e nuclear podem ser armazenadas, enquanto a eólica e a solar não. Assim, as três primeiras são chamadas de "despacháveis" no jargão eletrotécnico. Nas condições atuais do SIN, as fontes nuclear, eólica e solar suprem uma pequena parcela da demanda (cerca de 15%), sendo que a maior parte da carga é atendida por despachos adicionais das usinas hidrelétricas e termelétricas.
Uma crise de potência ocorre quando, em um determinado momento, o operador do sistema não consegue atender a demanda instantânea de energia elétrica, sendo assim obrigado a desligar imediatamente uma parte da rede ou mesmo a rede toda, a fim de evitar problemas mais graves. Pode acontecer que até exista energia armazenada, mas o sistema não é capaz de convertê-la em eletricidade com a velocidade necessária para atender a demanda naquele instante crítico.
Por outro lado, uma crise de energia acontece quando as fontes não armazenáveis de energia são insuficientes para atender a demanda e não há mais energia despachável para complementar o atendimento. Isto é, quando o sistema não dispõe de fontes adicionais de energia armazenada. Normalmente, isso ocorre quando os reservatórios das hidrelétricas estão vazios ou não há combustível nas usinas termelétricas.
Falta energia equivalente a uma semana de geração total do SIN para chegarmos em dezembro
Na prática, os dois tipos de crise podem se confundir, pois as condições em que elas ocorrem são muitas vezes semelhantes. Por exemplo, o rendimento das usinas hidrelétricas depende do nível do seu reservatório: quanto mais baixo, menor o rendimento. Assim, quando muitas hidrelétricas estão com os reservatórios vazios, a capacidade de geração instantânea do sistema diminui, criando o risco de uma crise de potência.
Reservatórios vazios também significam pouca energia hídrica armazenada, ou seja, o sistema pode estar próximo de uma crise de energia. No entanto, os dois tipos de crise são conceitualmente distintos e, em geral, são considerados separadamente no planejamento da operação do sistema elétrico.
No caso do Brasil em 2021, inicialmente se pensou que o esvaziamento dos reservatórios poderia acarretar crises de potência do SIN (pela queda no rendimento das hidrelétricas). No primeiro semestre, as projeções indicavam que talvez houvesse água suficiente para se evitar uma crise de energia no sistema. No entanto, as chuvas esperadas para o meio do ano na região Sul do país não se concretizaram, e assim, a nota técnica publicada pelo ONS no final de agosto já indicava que a situação havia piorado.
O estudo do ONS estima que faltam 7,6 GWmês de energia para se evitar uma crise de energia antes de dezembro (caso A) e 16,5 GWmês para se evitar também crises de potência (caso B).
Ou seja, falta um montante de energia da ordem de uma semana de geração total do SIN para abastecer o país até o final de novembro de 2021.
(*) Sérgio Cortizo é físico e trabalha no governo federal com mudanças climáticas e energia desde 2009