Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Agressão a jornalistas mostra ao mundo a República Miliciana de Bolsonaro
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A agressão física a jornalistas que relatam a viagem de Jair Bolsonaro a Roma (um turismo inútil e caríssimo pago com dinheiro público enquanto o povão passa fome) é coerente. O presidente estava reforçando no exterior a imagem do principal produto da República Miliciana do Brasil: a violência.
Agentes de segurança a serviço de Bolsonaro covardemente agrediram Jamil Chade (UOL), Ana Estela de Sousa Pinto (Folha), Leonardo Monteiro (TV Globo), Lucas Ferraz (O Globo) e Matheus Magenta (BBC), neste domingo (31), por tentarem fazer seu trabalho, cobrindo a passagem do brasileiro pela capital italiana. Passagem é termo certo, pois sua ida ao G20 só serviu para demonstrar como o Brasil se tornou tóxico sob sua gestão.
Violência naturalizada a ponto de Bolsonaro não ter vergonha de dizer a Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), que ele é o "único chefe de Estado no mundo investigado, acusado de genocida". E ainda achar graça.
A situação, legitimada pela hostilidade de Jair contra profissionais de imprensa, pode chocar no exterior, mas é tristemente comum no Brasil. Cansado de atacar jornalistas por aqui, o bolsonarismo exporta esse tipo de violência, talvez interessado em vender o método para algum autocrata iniciante. Método que inclui a defesa vazia da liberdade de expressão, enquanto a esmaga na base da porrada, do empurrão, da chave de braço, da misoginia violenta.
Apesar de provocar engulhos no naco civilizado da sociedade, as imagens de agressões a jornalistas são um deleite para o bolsonarismo-raiz - aquele 11% da população que justifica os atos tresloucados do presidente, defendendo a violência como meio para a sua perpetuação no poder. Em grupos bolsonaristas em redes sociais e aplicativos de mensagens, na madrugada desta segunda (1º), as notícias de agressões eram festejadas e ironizadas, chamadas de mimimi e de vitimismo.
Cenas como a deste domingo, do bolsonarismo atacando jornalistas, se tornaram recorrentes na República Miliciana do Brasil - onde pessoas acertam suas divergências na base do justiçamento e do linchamento, após decidirem quem tem direitos e quem tem só deveres. E onde grupos de seguidores do presidente atuam para silenciar e punir, nas redes e fora delas, aqueles que fiscalizam seu líder e denunciam as irregularidades que ele comete.
A situação lembra, por exemplo, o 3 de maio do ano passado, em frente ao Palácio do Planalto, quando uma turba de fãs de chutou e esmurrou o fotógrafo Dida Sampaio e atacou o motorista Marcos Pereira, ambos do jornal O Estado de S. Paulo. Outros profissionais de imprensa também foram empurrados e xingados. Enquanto isso, da rampa da sede do governo, o ocupante da Presidência sorria e acenava para a multidão. A turba pedia o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Celebrava-se, a propósito, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Bolsonaro é o responsável pela violência contra jornalistas cometida em seu nome. Não é necessário que ele demande uma ação - apesar de não duvidar que ordens nesse sentido tenham sido passadas a seus seguranças.
No Brasil, seu comportamento e seus discursos, acusando a imprensa de mentir quando a narração dos fatos lhe desagrada, alimentam as milícias que agem para defendê-lo, tornando a vida de outros um inferno. Para muitos de seus seguidores, um ataque à imprensa em nome de Bolsonaro é uma missão civilizatória, quase divina.
O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), aponta que 2020 foi o pior ano para a nossa profissão desde que a entidade começou o levantamento no início da década de 1990. Foram 428 ataques, um aumento de quase 106% em relação ao ano anterior. Desse total, Jair Bolsonaro respondeu sozinho por 175 registros - ou seja 41%.
É claro, como já disse aqui mais de uma vez, que há outros políticos, da esquerda à direita, que também agem de forma intolerante com a imprensa, cujas militâncias já chegaram às vias de fato contra jornalistas. Esses casos também merecem repúdio. Mas o que temos agora é um presidente que usa o ódio à imprensa como instrumento estrutural de política com o uso de tecnologia de comunicação em massa.
Portanto, seria leviano comparar o que acontece hoje com os Camisas Negras do fascismo italiano, que atacavam jornalistas que desagradavam seus líderes. Até porque, a Itália da primeira metade do século 20 não contava com nossa tecnologia de comunicação, que garante que ações de justiçamento sejam promovidas de forma imediata e massiva.
Com a gasolina a mais de R$ 8, o botijão de gás chegando a R$ 140, gente remexendo caminhões de lixo e depósitos de ossos em busca de saciar a fome, 13,7 milhões de desempregados, 608 mil mortos por covid e riscos de apagão elétrico, Bolsonaro está fragilizado. Ele e sua equipe econômica são incapazes de apresentar um projeto para o Brasil, tentando empurrar projetos toscos e tortos para ver se cola. E quando fragilizado, ele ataca.
Se o terreno estava ruim para a imprensa, principalmente as jornalistas mulheres, que ele elegeu como alvos preferenciais (o machismo bolsonarista ao encontrar com o autoritarismo bolsonarismo, cria um ambiente violento, ainda mais porque vem delas as principais reportagens que mostram ao Brasil quem de fato o presidente é), a situação deve piorar.
Cabe à sociedade decidir se quer uma imprensa livre, mesmo que discorde dela, e sair em sua defesa. Ou está satisfeita com a proposta colocada à mesa por Bolsonaro: substituir a pluralidade por uma "Verdade" ditada por ele em lives nas redes sociais, lives em que ele ensina que vacina contra a covid-19 causa Aids.
Uma verdade rasa que esconde um desprezo pela vida e um profundo vazio de políticas para o Brasil e que serve como cortina de fumaça para encobrir os casos de corrupção de sua família. Uma verdade fabricada, que agride quando questionada e que não aceita o contraditório.
Em tempo: E cabe à parcela dos veículos de imprensa que se ajoelhou perante o presidente decidir, diante de ataques a profissionais, se querem defender o jornalismo livre ou preferem atuar como esfregões para passar pano para o fascismo.