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Desculpa do fertilizante falha, e Bolsonaro busca outra para defender Putin
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Deve ser duro para Jair Bolsonaro ver o governo russo pedir aos fabricantes de fertilizantes a suspensão da exportação do produto. Afinal, o livre acesso a esse insumo foi a desculpa dada por ele tanto para apertar a mão de Vladimir Putin enquanto o Kremlin preparava a invasão da Ucrânia quanto para evitar condenar a guerra depois que ela começou.
Essa medida pode não atingir o Brasil neste momento, mas a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em live ao lado do próprio presidente nesta quinta (3), já jogou a expectativa lá embaixo. "O problema não é a Rússia restabelecer [o fornecimento]. O que nós temos é uma suspensão desse comércio porque não temos como pagar e nem temos navios seguros para poder carregar esses fertilizantes. Enquanto estiver acontecendo a guerra, é totalmente descartada a possibilidade de receber daqueles dois países: Rússia e Belarus", disse.
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Dessa forma, tira a responsabilidade pela situação da disposição da Rússia de vender ou não produtos ao Brasil, como avaliou um diplomata à coluna. Se vier algo diferente disso, será vendido como vitória do governo.
As sanções impostas à Rússia criaram um inferno logístico, como informou Igor Gielow, da Folha de S.Paulo, levando ao pedido de suspensão de exportações. Mesmo que rotas alternativas sejam usadas, isso deve encarecer a importação do insumo por aqui. Tudo isso mostra como é frágil a escolha dos fertilizantes como justificativa de Bolsonaro para poupar o Kremlin.
"Para nós, a questão do fertilizante é sagrada", disse Bolsonaro, no dia 27, quando passou pano para o governo russo em uma coletiva à imprensa. "Nossa posição tem que ser de bastante cautela para não trazermos problemas para o nosso país", disse também. "Temos que ter responsabilidade em termos de negócios com a Rússia. O Brasil depende de fertilizantes", concluiu.
O objetivo do presidente ao viajar para apertar a mão de Putin, como esta coluna repete sempre, não foi proteger nossa agricultura - se quisesse isso, tinha investido em produzir fertilizante por aqui. Mas mostrar aos bolsonaristas que o "mito" não é um pária internacional. Jair precisava dar uma resposta ao bem-sucedido tour de Lula à Europa, em novembro do ano passado, quando o petista chegou a ser recebido com honras de chefe de Estado na França.
Bolsonaro gosta da figura de Putin. Não é a mesma admiração servil que nutre por Donald Trump, mas como o russo é um autocrata homofóbico que despreza o jornalismo e busca se perpetuar no poder, o brasileiro sente que eles têm muita coisa em comum. E, neste momento, evita melindrar o seu colega russo para não desagradar uma parte de seu eleitorado que vê nele uma referência.
Em meio a isso, o ex-presidente Lula cutucou Jair mais uma vez. Em sua conta de Twitter, nesta sexta (4), acusou os governos Bolsonaro e Temer de terem fechado fábricas de fertilizantes na Bahia, em Sergipe e no Paraná.
"Também abandonaram a construção de novas fábricas de fertilizantes em Minas e no Mato Grosso do Sul. O governo atual aprofunda a dependência de derivados de petróleo importados, como fertilizantes e combustíveis, ao mesmo tempo que destrói empregos desmonta o setor no Brasil", afirmou o petista.
Até agora, ele tem sido criticado por sua pretensa posição de neutralidade. Poderia ter condenado a invasão de um país soberano e evitado defender sanções, como fez o Ministério das Relações Exteriores ao votar pela aprovação da resolução da Assembleia Geral Extraordinária das Nações Unidas. Não o fez. E sem essa crítica, sua última declaração, de "solidariedade" à Rússia, em visita ao Kremlin, continuará reverberando na comunidade internacional como a posição do presidente brasileiro.
Além disso, desde então, o "neutro" Jair também chamou Putin de "parceiro", em sua live semanal, nesta quinta (3), ao afirmar que seu colega defende a soberania da Amazônia. O uso da referência, contudo, passou a imagem de reciprocidade - o que pega bem mal no momento em que Moscou invade um Estado soberano.
É a tática de mensagens diferentes para públicos diferentes, acendendo uma vela para cada santo. Para uma parte do eleitorado, seu governo envia a mensagem, através do Itamaraty, que está alinhado na defesa do direito da Ucrânia à autodeterminação e à independência. Para outra, diz que vai ficar neutro, como afirmou em um discurso nesta sexta. Para chefes de Estado, como o inglês Boris Johnson, ele fala o que eles querem ouvir, nesse caso, uma leve crítica à Rússia. E para o seu público radical, Jair protege Putin.