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Punir ministro e poupar Bolsonaro é culpar boneco e preservar ventríloquo
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Uma possível queda de Milton Ribeiro do Ministério da Educação sem que Jair Bolsonaro seja devidamente investigado e responsabilizado é equivalente a punir um boneco para preservar o seu ventríloquo.
Diante do vazamento do áudio do ministro afirmando que a liberação de recursos a amigos do pastor Gilmar Santos foi um pedido do presidente, Bolsonaro contaria com o benefício da dúvida se ele e sua família não tivessem relação com o pastor.
Mas o religioso tem a simpatia da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, a gratidão do senador Flávio Bolsonaro ("quero aqui, em nome de toda a minha família, agradecer por tudo o que o senhor faz", disse) e visitava Jair no Palácio do Planalto antes mesmo de Milton Ribeiro ser ministro.
É difícil imaginar que a instalação de um gabinete paralelo no Ministério da Educação, com pastores cobrando pedágio para liberar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma dinheirama que banca a construção e a equipagem de creches e escolas, aconteceria sem o conhecimento e a anuência do presidente.
Vale lembrar que no caso do gabinete paralelo do Ministério da Saúde, montado para fomentar o uso de tratamentos ineficazes contra a covid-19, tudo aconteceu com a benção e a participação de Jair. O gabinete respaldou o discurso negacionista do presidente e garantiu interesses econômicos de planos de saúde.
Não eram pastores que davam as costas para os princípios do cristianismo, mas médicos e pesquisadores que atropelavam os princípios da ciência.
Sem demérito para o general Eduardo Pazuello e o doutor Marcelo Queiroga, que fizeram por merecer a inclusão do nome de ambos como cúmplices das mortes ocorridas na pandemia, mas eles colocaram em prática pedidos do presidente.
A denúncia que veio agora a público, primeiro com as reportagens do jornal O Estado de S.Paulo depois com o áudio descarado trazido pela Folha de S.Paulo, sugere que Milton Ribeiro estava cumprindo ordens do chefe. Alguém que já foi vice-reitor e reitor em exercício de uma grande instituição de ensino como a Universidade Presbiteriana Mackenzie não é inimputável.
(Por mais que seja tentador avaliar que um ministro da Educação que diz que a homossexualidade é fruto de "famílias desajustadas" e que crianças com deficiência "atrapalham" o aprendizado das demais, afirmando que "é impossível a convivência" com elas, quer se mostrar inimputável.)
Mas é importante que não se perca de vista que esse processo aponta para o presidente da República, que transformou a pasta da Educação em instrumento de sua guerra cultural e em caixa eletrônico para os interesses de aliados de olho em sua própria reeleição.
Nesse contexto, a tentativa do ministro de tentar livrar a cara de Bolsonaro ("Registro ainda que o presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem", declarou) vale menos que uma nota de R$ 3.
O fato de ele ser blindado pelo centrão na Câmara dos Deputados e pelo procurador-geral da República (que vai investigar apenas Ribeiro), tornando praticamente impossível sua cassação, não exclui a importância de ele ser responsabilizado por seus atos. Se não for criminalmente e politicamente, que seja eleitoralmente. Para tanto, a população tem direito a saber.
"Três anos e três meses sem qualquer denúncia de corrupção em nossos ministérios", disse Bolsonaro, nesta quarta (24). Na verdade, há uma placa na frente do Palácio do Planalto, semelhante àquelas que mostram acidentes em obras, atestando "Estamos há zero dia sem novas denúncias de corrupção". Mas o presidente mente porque sabe que seus seguidores acreditam nele, não nos fatos.