Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Datafolha: 17% creem sempre em Bolsonaro, 17% desconfiam da urna eletrônica

Colunista do UOL

25/03/2022 19h47

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Uma parcela de 17% da população acredita em tudo o que Jair Bolsonaro diz, enquanto 82% nunca confiam ou confiam às vezes nas palavras do presidente. Ao mesmo tempo, 17% afirmam que não confiam nas urnas eletrônicas e 82% dizem confiar. A margem de erro é de dois pontos.

A mórbida coincidência é deliciosa, ainda mais porque o capitão reformado do Exército foi eleito com o 17 do PSL, que depois se fundiu com o DEM no União Brasil. Três anos depois, Jair avançou cinco casas e abraçou o 22 do PL de Valdemar da Costa Neto para as eleições deste ano.

Claro que esses dois grupos de 17% não são exatamente as mesmas pessoas - sim, há gente que não confia nas urnas eletrônicas e não acredita em Jair da mesma forma que há grupos antivacina de direita e de esquerda. Mas há uma grande intersecção entre eles, o que é demonstrado pela própria pesquisa.

O que é lógico, porque Bolsonaro vem pregando para o seu rebanho que o sistema eletrônico de votação é uma fraude; que ele ganhou no primeiro turno de 2018, mas foi roubado; que as urnas estão programadas para ajudar Lula neste ano; que só a introdução do voto impresso salvaria a lisura das eleições e outras mentiras cabeludas. Quer gerar desconfiança no sistema para ter uma desculpa e não aceitar o resultado, se perder.

Contadas à exaustão, as mentiras de Bolsonaro tornaram-se farol para milhões de fãs e seguidores. Ele não precisa que o Brasil inteiro acredite nelas, apenas que sejam repetidas por uma parcela de ingênuos úteis e outra de safados interesseiros. Jair acredita que juntando essa parcela com os grupos antipetistas que buscavam uma terceira via e uma parcela de trabalhadores pobres grata por benefícios sociais, ele chega lá de novo.

O Datafolha apontou que 25% aprovam seu governo, oito pontos acima dos que acham que ele fala sempre a verdade. Ou seja, há uma boa parcela dos brasileiros que sabe que ele mente pelo menos às vezes e não se importam muito com isso.

Há, nesse grupo, os ideológicos pragmáticos, que acreditam que o presidente deve usar todas as "armas" disponíveis para combater o "inimigo" e mantê-lo longe do poder, o que inclui boatos, notícias falsas e outras formas de desinformação. E os parceiros táticos, que caminham com o mentiroso porque ganham dinheiro com ele no governo, como muita gente do centrão, pecuaristas ilegais, grileiros de terra.

Os que acreditam em tudo o que Bolsonaro diz passaram de 13%, em dezembro do ano passado, mínima histórica medida pelo Datafolha, para 17% agora. Esses 13% são o grupo que já estava com Jair quando ele pregava sozinho no deserto. Ou seja, antes mesmo de o lavajatismo tornar-se aliado conjuntural e linha auxiliar do bolsonarismo.

Os outros 4% podem ser os bons filhos (sic) que à casa tornam depois de um tempo chateados pelos exageros pandêmicos do pai. Ou tinham vergonha de confessar que sempre estavam ao seu lado para os entrevistadores dos institutos de pesquisa quando ele defendia que vacina contra covid-19 causava Aids.

Esses 13% são tão umbilicalmente ligados a ele que não se importam nem com os fatos que o presidente tenta esconder, como as rachadinhas dos salários de servidores públicos que atuam nos gabinetes da família. Pelo contrário, acham justo. Afinal os Bolsonaro fazem tanto pelo país, mereciam ganhar muito mais, não é mesmo?

Para esse pessoal, Fabrício Queiroz é instrumento nas mãos de Deus para ajudar Jair Messias em sua missão. Tanto que não são as raras as selfies que o ex-faz-tudo da família Bolsonaro tira em eventos em apoio ao presidente. A certeza do apoio é tanta que ele quer ser deputado.

Esses 17% realmente acreditam quando ele diz que não há corrupção em seu governo, apesar da abundância de provas - das negociatas de militares, deputados e reverendos na compra superfaturada de vacinas dentro do Ministério da Saúde à cobrança de pedágio por pastores, inclusive na forma de ouro, para liberação de recursos públicos a prefeitos no Ministério da Educação.

Praticamente todos os governantes mentem. A questão é quando isso se torna parte estrutural de uma gestão, estando presente em dados, discursos, entrevistas, reuniões, para refutar quaisquer fatos e dados comprovados que estejam na contramão dos desejos do presidente e para construir a tal realidade paralela.

Da negação da gravidade da covid-19 que foi fatal para quase 660 mil, passando pelo desmatamento na Amazônia que nos trouxe vergonha global até a reescrita da história da violência boçal da ditadura militar, isso tem ocorrido com mais frequência desde janeiro de 2019.

A mentira é usada como instrumento de governo, da mesma forma que foi empregada como ferramenta de sua campanha eleitoral e como base de seus mandatos parlamentares. Teoricamente, o Ministério da Educação teria que atuar para garantir o fornecimento de instrumentos de leitura crítica da realidade aos estudantes a fim de que soubessem discernir informação de qualidade de porcaria.

Talvez isso não tenha ganho tração na pasta nos últimos tempos porque o pastor certo não recebeu seu quilo de ouro.