Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Santa Eleição converte Bolsonaro, que pregava que auxílios geram vagabundos

                        - EVARISTO SA / AFP
Imagem: EVARISTO SA / AFP

Colunista do UOL

14/07/2022 15h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A proximidade com a eleição operou um milagre. Transformou o governo Bolsonaro, que deixou pobres passarem fome no pico da pandemia, em um guerreiro que luta contra a fome desde criança. O presidente, fantasiado de Pai dos Pobres, nem parece aquela pessoa que já disse que programa de distribuição de renda é uma mentira porque "você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa".

A PEC das Bondades, ou PEC do Desespero, ou PEC da Reeleição, ou melhor, PEC da Compra de Votos, passou a jato no Congresso, com o apoio da oposição, sob a justificativa de que a fome está crescendo e, por isso, o Auxílio Brasil precisa subir de R$ 400 para R$ 600.

Os mais pobres precisam receber esse dinheiro? Sim. Mas o aumento poderia ter sido dado antes, de forma planejada, e não atropelando regras e armando bombas fiscais. A questão é que se isso tivesse ocorrido no tempo certo, o impacto eleitoral agora seria menor.

O bem-estar do populacho não foi uma preocupação no início do ano passado, quando o governo demorou para renovar o auxílio emergencial, dizendo que era necessário manter a responsabilidade fiscal.

No momento em que foi anunciada a interrupção do pagamento do auxílio emergencial em dezembro de 2020, o presidente e seus ministros foram avisados de que isso levaria à fome. Mas fizeram a egípcia. Pior, enquanto o presidente mandava todo mundo voltar às ruas para trabalhar, bradando que "a morte é o destino de todos", o ministro Paulo Guedes lascava uma chantagem: topava a volta do auxílio se fosse aprovado um novo marco fiscal.

Mesmo com a realidade empilhando mais de 4 mil cadáveres por dia, demoraram 96 dias para retomar o pagamento do auxílio. Consequentemente, a falta de recursos para subsistência ajudou a sabotar o isolamento em meio à escalada de mortes. E gerou fome.

No final de 2020, o país tinha 19 milhões de famintos, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. A inação do governo ajudou a levantar esse número para 33,1 milhões.

Bolsonaro nunca entendeu o Bolsa Família. Achava que era distribuição de dinheiro pura e simples para vagabundo ou incapazes. Não via que a esmagadora maioria dos seus beneficiários trabalha sim e não quer ficar na miséria, mas precisa de uma mãozinha para comer enquanto isso não é possível.

Mas quando viu os efeitos do auxílio emergencial em sua popularidade, em 2020, foi convencido do potencial eleitoral da transferência de renda. Com isso rebatizou o Bolsa Família para Auxílio Brasil. E o aumentou para R$ 400 mensais. A insistente inflação de dois dígitos tornou o valor insuficiente para o que ele queria. Com o reajuste para R$ 600 (válido até o final do ano, claro), aposta que parte do povão larga Lula e vai com ele.

Em sua preconceituosa matriz de interpretação do mundo, o presidente considerava que esse tipo de programa era uma fábrica inútil de produtores de filhos porque é assim que ele e uma parcela do país enxergam os pobres: um grupo interesseiro que, diante da oferta de uns caraminguás, prefere parar de trabalhar.

"O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família", afirmou em entrevista à Record News, em 2012.

"O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", disse em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros, em 2015.

Ah, mas isso é o passado, antes de ele ser presidente - dizem alguns. Então, segura essa:

"Não tem como tirar o Bolsa Família do pessoal, como alguns querem. São 17 milhões de pessoas que não têm como ir mais para o mercado de trabalho. Com todo o respeito, não sabem fazer quase nada", explicou em 27 de outubro do ano passado, em entrevista à TV A Crítica.

Agora, na esteira do assassinato do petista Marcelo Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho corre, em corredores palacianos, a hipótese de adiar as eleições caso a violência política escale. O que daria tempo de os R$ 600 produzirem seus eleitos eleitorais. Se isso acontecer, é golpe de Estado.

A eleição é um momento mágico. Mas assim como o projeto bolsonarista prevê a duração do benefício para famílias pobres até a meia noite do 31 de dezembro, o mesmo deve acontecer com a tal conversão de Jair. Apurado o último voto, ele volta a ser aquela abóbora que só gosta de pobre que lhe diga amém. Uma abóbora que promete explodir tudo se perder.