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Bolsonaro lança candidatura convocando para ato golpista no 7 de Setembro
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A oficialização de uma candidatura à Presidência da República costuma ser uma festa da democracia. Mas Jair Bolsonaro conseguiu subverter a tradição usando o evento de oficialização de sua tentativa de reeleição, neste domingo (24), para convocar às micaretas golpistas que ele programa para o 7 de setembro.
Falando para uma versão anabolizada do "cercadinho" de fãs da porta do Palácio do Alvorada (os milhares de bolsonaristas que foram ao Maracanãzinho, a quem chamou de "nosso exército" que "não admite fraude" nas urnas), Bolsonaro atacou o Poder Judiciário sob os gritos de "Supremo é o povo".
(Vale lembrar que um dos seus "soldados" invadiu a festa de aniversário com imagens de Lula de um tesoureiro petista, em Foz do Iguaçu (PR), e o matou a tiros.)
"Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez! Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo", afirmou no Maracanãzinho.
Os "poucos surdos de capa" são os ministros do Supremo Tribunal Federal, eleitos pelo presidente como inimigos da nação por dificultarem que ele e seus sócios do centrão no Congresso Nacional atropelem as leis para reconstruir o Brasil à sua imagem e semelhança.
Para Bolsonaro, "jogar dentro das quatro linhas da Constituição" é dizer amém para um presidente que sistematicamente acusa as eleições de serem manipuladas, usa a cúpula das Forças Armadas em seu processo de minar a credibilidade das urnas eletrônicas e constrói diariamente uma justificativa para não reconhecer o resultado das urnas e tentar um golpe de Estado.
Essa convocação soma-se a outras que vem sendo feitas por seu grupo político a fim de sequestrar as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. O objetivo é transformá-las não apenas em eventos de apoio à sua candidatura, mas também de ataque às instituições, à imprensa e a adversários políticos.
No 7 de Setembro do ano passado, Jair dedicou seus discursos a alimentar a ideia de que o STF quer criar uma ditadura no país porque impede o bolsonarismo de ter liberdade absoluta, seja para atacar o sistema eleitoral, difundir remédios sem eficácia para a covid-19 ou propagar notícias falsas. Prometeu deixar de obedecer ordens judiciais.
Desde que assumiu o poder, o presidente trabalha para vender a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Nem todo indivíduo, claro, apenas os que atuam sob uma lógica bolsonarista, sejam eles ruralistas anacrônicos, madeireiros e garimpeiros ilegais, policiais e militares que agem como milicianos, religiosos fundamentalistas, empresários gananciosos.
Erra quem pensa que os apoiadores de Bolsonaro são apenas um rebanho. Há muita gente interessada em um Estado que saia de cena, permitindo que se implemente a lei do mais forte. Ou melhor, a do mais armado ou do mais rico. Existe quem age como gado, mas quem é sócio na fazenda.
Em um jantar com lideranças conservadores em Washington, capital dos Estados Unidos, em março de 2019, Bolsonaro foi bem sincero em seu intento de demolir o país para construir algo novo: "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz".
Isso ele deixou claro, mais uma vez, no discurso deste domingo ao atacar o Estado, ou seja, a fiscalização e as leis.
"A nossa missão é não atrapalhar a vida de vocês. É, cada vez mais, tirar o estado de cima de vocês. Estado forte, povo fraco. Povo forte, estado forte", afirmou. Lembrando, novamente, que "povo", em sua concepção, não é o trabalhador escravizado que precisa de um Estado atuante para ser resgatado, mas quem precisa ser poupado das leis trabalhistas porque "faz o Brasil crescer".
Uma parte da sociedade e das instituições estão preocupadas com o 7 de Setembro e a possibilidade de violência desencadeada pelos discurso do presidente se transformarem em violência. Deveriam mesmo. Porque notas de repúdio não vão manter as paredes do STF e do TSE, bem como as sedes de partidos políticos e prédios de jornais de pé diante de turbas enfurecidas. E o caos gerado pode incentivar sugestões golpistas como o adiamento das eleições.