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Michelle prova do próprio veneno por foto com esposa de Guilherme de Pádua
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A campanha de Jair Bolsonaro passou a usar a primeira-dama para tentar humanizar a figura bruta do marido e conseguir votos entre mulheres, principalmente evangélicas. A questão é que, na política, quem se prepara para ser vitrine também precisa saber que pode virar vidraça.
Ganhou as redes sociais e os apps de mensagens, nesta sexta (12), uma selfie da primeira-dama, em que ela aparece feliz, abraçada com a esposa de Guilherme de Pádua, condenado por matar a atriz Daniella Perez - caso com requintes de crueldade que chocou o Brasil em 1992.
A imprensa já havia revelado que Michelle visitou a Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG), no último domingo (7). Ela é a mesma em que Guilherme de Pádua foi ordenado pastor após sair da prisão. Juliana Lacerda, atual companheira de Pádua, negou, no Instagram, que eles tenham intimidade com os Bolsonaro. Ambos são apoiadores de Jair.
O presidente sentiu. Dada a repercussão, já na noite desta sexta, ele postou uma série de mensagens no Twitter dizendo que não alimentaria o caso em respeito a Glória Perez. E reafirmou que a esposa de Guilherme de Pádua não conhecia Michelle.
Disse que "enquanto viver, serão as vítimas, não seus algozes, que contarão com a minha eterna solidariedade". O que não é verdade, pois em junho deste ano, o presidente não se preocupou com uma menina de 11 anos grávida após estupro. Ao contrário, dedicou tempo para criticar o aborto que ela almejava fazer e tinha sido negado pela Justiça, apesar de previsto em lei.
O caso da selfie ocorre em meio à repercussão causada pelo ataque de Michelle Bolsonaro ao ex-presidente Lula nas redes sociais usando um vídeo em que ele participa de uma cerimônia de religião de matriz africana. A primeira-dama foi criticada por fomentar preconceito e ódio contra crenças diferentes da sua com o objetivo de tirar votos do petista junto ao público evangélico. A estratégia foi bem vista pela campanha de seu marido, tanto que ela já planeja atingir Janja, esposa do petista, por motivo semelhante.
Mas, pelo menos por hoje, o Gabinete do Ódio terá que gastar parte do tempo com justificativas. Ou seja, a estratégia da primeira-dama acabou provando do seu próprio veneno.
Recentemente, o crime bárbaro cometido por Pádua e por sua ex-esposa, Paula Thomaz, que completa 30 anos em dezembro, ganhou as redes por causa de uma minissérie documental sobre o caso na HBO. O corpo da atriz foi encontrado em um matagal na Barra da Tijuca com 18 perfurações, a maioria perto do coração.
Ao longo do dia, seguidores do presidente responderam às postagens sobre Pádua afirmando que o pastor e ex-ator executou Daniella Perez em meio a um ritual macabro (hipótese nunca foi comprovada), mas que agora ele é um homem de Deus. E afirmaram que os tais "rituais macabros" eram práticas de religiões de matriz africana, o que é mentira.
Bolsonaro vem tentando se colocar como o "bem" na luta contra o "mal", por mais que tenha sido ele o corresponsável pela mortalidade de uma pandemia que ceifou mais de 680 mil brasileiros e tenha levado a cabo uma campanha para armar a população. Michelle foi escalada para reforçar esse discurso.
Toda essa situação é bastante didática. O Brasil não conta com punição perpétua e, aos olhos da lei, Pádua está em dia com a Justiça - o que não significa, claro, que seu crime será apagado. Ele continuará sendo, para sempre, a pessoa que matou Daniella Perez. Tampouco a sua esposa tem culpa alguma e merece algum tipo de punição social.
Mas é irônico que a mesma primeira-dama que usou uma imagem em que Lula confraternizava com pessoas que só querem viver em paz agora terá que responder sobre outra imagem, a sua. Na política, quem cobra também será cobrado. Ou, como diria o evangelho de Lucas capítulo 12, versículo 48, "a quem muito foi dado, muito será exigido".
Em tempo: há uma supervalorização do papel de Michelle Bolsonaro na melhora dos índices de Jair, na minha avaliação. Mulheres evangélicas pobres estão entre as principais beneficiárias do aumento do Auxílio Brasil. E, até agora, a chave para entender a variação na intenção de voto está na percepção da qualidade de vida dos mais pobres e não necessariamente no impacto dos discursos da primeira-dama.