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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cebola sobe 75%, faz chorar e expõe limites eleitoreiros do Auxílio Brasil

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

14/08/2022 11h31

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Enquanto a campanha de Jair Bolsonaro bate bumbo para a deflação de 0,68% no mês de julho, os pobres estão percebendo que, por enquanto, não têm muito o que comemorar. Pois a comida, principal item no orçamento dos mais vulneráveis, foi no sentido inverso, ficando 1,3% mais cara no mês.

No acumulado do ano do IPCA, a inflação do item alimentos e bebidas foi mais que o dobro (9,83%) do índice geral (4,77%). Nos últimos 12 meses, para além do leite integral que virou produto de luxo (com alta de 66%), o pó de café subiu 58%, o grão de milho, 34%, a farinha de trigo, 32%, a batata, 67%, o pepino, 53%, a cenoura, 38%, as frutas, 35%.

E a cebola está fazendo os consumidores chorarem, com alta de 75% nos últimos 12 meses no Brasil, 77%, em São Paulo, e 152% em Brasília. No mesmo período, a inflação geral foi de incômodos 10% e a de alimentos 14,7%

Nesse sentido, a melhora na intenção de voto do presidente da República (beneficiada pelo repasse de R$ 200 extras até o final da eleições, ops, do ano) é limitada pela percepção de que os R$ 600 do Auxílio Brasil não compram, nem de longe, o mesmo que os R$ 600 do auxílio emergencial do primeiro semestre de 2020.

O pagamento do benefício ainda vai gerar muito voto a ele, claro. Mas não tudo o que poderia se a inflação não estivesse galopante.

A inflação está alta no mundo inteiro, mas o Brasil, sendo grande produtor de alimentos, poderia ter criado formas de proteger os trabalhadores. Jair Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes não conseguiram ou não quiseram fazer isso. O presidente culpou a pandemia, a Guerra na Ucrânia, o clima (sim, este governo só acredita em mudança climática na hora de terceirizar a responsabilidade), tirando o corpo fora.

E escondeu as consequências do desmonte das políticas de estoques públicos de alimentos e da compra direta de pequenos produtores e sua destinação para locais pobres e escolas, por exemplo. Ou o fato que o governo deixou a fome escalar quando interrompeu o pagamento do auxílio emergencial, em dezembro de 2020, retomando após intensa pressão social, em abril de 2021.

Bolsonaro queria o povo de volta às ruas e a suspensão do benefício ajudaria na estratégia. Como consequência, tivemos uma política de distanciamento social meia boca, levando a mais de 4,2 mil mortes registradas por dia. A fome, que era de 19,1 milhões no final de 2020 chegou, menos de dois anos depois, a 33,1 milhões.

Em abril de 2021, ouvi de parlamentares da base do governo no Congresso Nacional que o presidente foi aconselhado a retomar o pagamento de um benefício do valor de R$ 600 apenas durante o período eleitoral. Isso acabou acontecendo, com a ajuda da oposição, através da PEC da Compra dos Votos.

Um deles foi bem direto, dizendo que quanto maior a carestia perto da eleição, maior a gratidão do eleitorado pelo dinheiro extra. Diante das necessidades imediatas, as promessas de Lula e Bolsonaro de manterem o valor em 2023 não têm tanto valor quanto o pagamento do benefício em si. Importante para quem passa necessidade é o aqui e o agora. E isso beneficia o presidente.

A fome é um ativo eleitoral poderoso, mas o seu governo não contava que a inflação demoraria a ceder entre os alimentos, reduzindo o impacto da compra de votos juntos aos mais pobres que percebem, sim, a erosão do poder de compra.

Bolsonaro prefere ser chamado de genocida e golpista do que de Bolsocaro porque os que ganham até dois salários mínimos representam 53% da população e estão mais preocupados, com toda razão, com a inflação - um imposto que tira dos pobres e dá aos ricos na forma de rendimentos de juros. A campanha de Lula quer explorar esse flanco, com a memória de um governo petista com preços controlados, enquanto a injeção temporária de dinheiro pelo governo se espalha.