Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonarismo emburreceu democracia ao mentir sobre 'sala secreta' no TSE

28.set.2022 - Alexandre de Moraes, presidente do TSE, acompanhou visita de militares à sala de totalização de votos (ao fundo) - Paulo Roberto Netto/UOL
28.set.2022 - Alexandre de Moraes, presidente do TSE, acompanhou visita de militares à sala de totalização de votos (ao fundo) Imagem: Paulo Roberto Netto/UOL

Colunista do UOL

28/09/2022 13h18

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O bolsonarismo passou meses pregando que o TSE conta com uma sala secreta onde os votos serão contados e manipulados por barbudos de vermelho trajando camisetas do Che e comendo sanduíches de mortadela enviados pela Venezuela. Nesta quarta (28), o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, mostrou a aliados de Bolsonaro o setor de totalização de votos - uma repartição pública beeeeem comum com, vejam só, paredes de vidro.

O caso é emblemático, pois mostra como Jair e sua turminha do barulho conseguem aprontar as maiores confusões na cabeça de um grande contingente que pode chegar a 21% do eleitorado. Essa é a parcela que, segundo o Datafolha, diz confiar em tudo o que sai da boca do mandatário. Uma dupla sacanagem, pois quem mente de propósito sabe da boa vontade de quem receberá a fake.

Como na quinta (22), quando ele disse que as Forças Armadas vão colocar técnicos dentro da "sala-cofre" do Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com ele, um lugar em que "ninguém sabe o que acontece lá dentro". Mais transparente que a sala só se os servidores que lá trabalham, acompanhando a totalização feita pelos supercomputadores, praticassem nudismo.

Só uma dica aos técnicos a serem enviados pelos militares: se tentarem colocar vocês numa sala-cofre, fujam, que não é o TSE, mas provavelmente algum clube sadomasoquista.

Diante do processo de emburrecimento civilizacional provocado pelo bolsonarismo através de mentiras contadas sobre as instituições a fim de justificar uma possível derrota, Moraes optou por uma saída simples: mostrar aos representantes de partidos e aos jornalistas como as coisas funcionam.

Mesmo que o presidente do PL de Bolsonaro, Valdemar da Costa Neto (sim, ele...), tenha dito que agora não há sala secreta (nunca houve, a propósito) e que o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tenha inspecionado com seus próprios olhos, ainda teremos fanáticos que não mudarão de ideia. Tendo colocado na cachola que os tais barbudos comedores de mortadela estão muquiados em algum porão do TSE, não acreditarão nas imagens de hoje.

Afinal, aprendemos frente aos erros da operação Lava Jato que, diante de convicções, os fatos se tornam irrelevantes.

E isso nos lembra que, independente do resultado das eleições, já perdemos uma parte da população para as teorias da conspiração - que são mais fáceis de digerir do que a realidade complexa e imperfeita. Ajudar esse contingente a sair dessa realidade paralela levará muitos anos em condições ideias de pressão e temperatura, coisa que não teremos.

Uma das teorias da conspiração que mais circularam por aqui durante a pandemia é a de que a CoronaVac, a vacina contra o coronavírus desenvolvida na China e produzida no Brasil, injetou nanochips na população de forma a monitorar e controlar as pessoas através do sistema 5G. Tudo isso teria sido bolado em meio a um grande esquema envolvendo uma rede de bilionários globalistas, intelectuais pedófilos, cavaleiros templários e, claro, os Illuminati, para controlar o mundo.

E isso colou em muita gente, que não quis se vacinar com medo de ser monitorado por antenas 5G.

Para quem duvida, lembre-se: uma pesquisa Datafolha apontou que 7% dos brasileiros acreditam que a Terra tem o formato de uma pizza. No momento em que o levantamento foi feito, isso representava 11 milhões de pessoas.

Imaginem, agora, se 10% desses 11 milhões fossem às ruas criticar a Terra redonda. Vocês avaliariam esse mar de gente como uma manifestação equivocada que não representa o pensamento da maioria da população ou é um "datapovo" provando que o Brasil (composto de 212 milhões de almas) defende que a terra é plana?

Isso não é muito diferente do que acontece na eleição. E assim como a sala-secreta, a vacina-chip e a Terra-pizza, há também a crença de que fotos com multidões representam mais a opinião popular do que pesquisas baseadas em ciência.

Como dizia o poeta, sempre tem um chinelo velho para um pé cansado.