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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro volta ao normal e frustra quem crê em Saci e 'Jair Moderado'

Colunista do UOL

07/10/2022 17h17

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Bolsonaro incorporou o "Jair Indignado", nesta sexta (7), e, aos berros, acusando o ministro Alexandre de Moraes de interferir na eleição e atacando Lula e o PT. Já em uma live, na quarta (5), agiu como "Jair Preconceituoso" ao vincular os votos de Lula no Nordeste ao analfabetismo. No domingo (2), após o resultado das urnas, adotou um 'Jair Paz e Amor' ao dizer que entendia votos contrários a ele por conta da inflação.

Desde o início do seu governo, Bolsonaro tem apresentado diferentes narrativas dependendo do momento, do interlocutor e da plataforma, o que dá a impressão de que o presidente sofre com um transtorno de múltiplas personalidades. Mas o que parece consequência de psicopatia, na verdade, é resultado de método.

Diante dos seus fãs mais radicais, por exemplo, ele entrega o que querem ouvir, com teorias da conspiração e preconceitos. Na transmissão que realizou na quarta, levou à loucura um naco preconceituoso deles que culpa os nordestinos pobres pelos problemas do país. Tanto que, posteriormente, levaram o discurso de Jair às redes.

Ou seja, a suposta moderação de domingo já tinha ido para o vinagre naquele momento uma vez que a agressividade de alguém não tem relação necessariamente com o seu tom de voz, mas com o conteúdo do que é defendido. E não é moderado um presidente que fomenta discriminação contra moradores de uma região.

Quando o objetivo é atingir o público feminino, ele se cerca de mulheres e evita falar palavrões e fazer comentários misóginos. Quando está fazendo comícios dentro de templos, não costuma defender a compra de armas de fogo e munições, pois sabe que essa pauta é repudiada pelos religiosos. Quando busca voto de centro, repete frases feitas sobre economia e a importância de proteger a família, mas evita dizer que é "imbroxável".

Agora, encenando o "Jair Indignado" em uma coletiva à imprensa, ele criou um factóide e ganhou espaço gratuito na mídia, o que vale ouro neste segundo turno.

Aproveitou para tentar convencer o Nordeste de que é ele e não Lula o responsável pelos programas de distribuição de renda e pela transposição das águas do São Francisco. E, nessa linha, tentou aumentar a rejeição do adversário, a quem chamou de "pinguço", dizendo que ele é contra religiosos, militares, policiais e a família brasileira.

Bolsonaro usa o mesmo método há anos - é até cansativo

A tática de diferentes discursos para cada público e ocasião foi largamente usada por Jair Bolsonaro durante a eleição de 2018 e, depois, empregada na pandemia de covid-19.

Ele guardava, por exemplo, as maiores aberrações sobre a doença e o uso de remédios sem eficácia para suas lives, as conversas com o cercadinho de seguidores na porta do Palácio do Alvoradas e os comícios em locais onde é popular. Ele não diria em um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, quando era mais sutil, o que falou em um comício em São Simão (GO), em 4 de março de 2021. Diante das mortes pelo coronavírus, afirmou: "Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?".

Há uma parcela da elite brasileira que ainda acredita ser capaz de domesticar Jair Bolsonaro, apesar de ele já ter provado que não tem apreço pelas instituições e que não vai abandonar um jogo perigoso de aproximações sucessivas, com ataques e recuos à democracia. Essa fé de domesticação move montanhas se for para derrotar Lula.

Nos ataques, essa parcela fica indignada e surpresa. Nos recuos, celebra a "mudança de opinião", confiante que o capitão foi contido, torcendo publicamente para que ele continue "moderado".

A ficção decorre de uma antiga crença de uma parcela dos liberais que apostavam, desde as eleições de 2018, que seria possível colocar uma focinheira em Jair Bolsonaro. Ou seja, que o "Posto Ipiranga", o "czar da economia", o "todo-poderoso das contas públicas", Paulo Guedes, domaria o capitão. Com o tempo, quem terminou como poodle do presidente foi Guedes.

A verdade é que uma parte do mercado financeiro, bem como da elite brasileira, nunca esteve preocupada com a proteção da democracia, mas com a liberdade para poder ganhar mais e mais rápido, inclusive passando por cima de regulações que preservam direitos sociais, trabalhistas e ambientais. Acreditavam realmente que seria possível reeditar algo como o período Augusto Pinochet, no Chile, com o neoliberalismo andando de mãos dadas com um governo autoritário.

Nesse sentido, se Jair matasse ou desmatasse, tudo bem, desde que não atrapalhasse os negócios.

Em 7 de setembro de 2021, ele atacou ministros do Supremo Tribunal Federal, mas contou até com a ajuda de Michel Temer para escrever uma cartinha que mostrasse que havia mudado. Novamente, houve quem celebrou a falsa moderação.

Essa tática tem limites, claro. Afinal, segundo o Datafolha, 46% nunca confiam no que diz o presidente e 28% confiam sempre nele - o que não é pouco, mas não gera vitória eleitoral.

Mas seria saudável pararmos de falar do "Jair Moderado", uma abstração tão grande quanto o ET de Varginha e o Lobisomem de Joanópolis. O padrão bolsonarista é a virulência que vimos nesta sexta, na coletiva à imprensa. É a situação em que ele está mais soltinho e feliz.