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Centrão tenta convencer Lula a usar o mesmo cabresto colocado em Bolsonaro
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O que está na mesa de negociação da PEC da Transição não é apenas o quanto de dinheiro a mais o futuro governo terá para gastar em 2023 e 2024, mas a força da influência (e do cabresto) que o centrão terá sobre a nova gestão. Ou seja, mais do que uma questão sobre divisão de recursos, é um debate sobre rateio de poder.
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, confirmando que Lula pode tirar o Bolsa Família do teto de gastos, entrega mais cartas aos negociadores do novo governo junto ao Congresso Nacional. Inclusive para convencer bolsonaristas: se a PEC for aprovada, Jair terá recursos para resolver a pane seca a que submeteu o país ao torrar grana pública por sua reeleição. Inclusive possibilita o pagamento das emendas prometidas por ele, mas que foram bloqueadas.
Mas se a decisão de Mendes, por um lado, reforça que há alternativas para o pagamento dos R$ 600 do Bolsa Família e ajuda a abrir espaço fiscal a outras áreas, como educação e saúde, por outro não resolve a necessidade de que centrão e o novo governo definam sua relação a partir do ano que vem.
Sim, o orçamento não é a única questão que está em cima da mesa neste momento. A discussão sobre a PEC da Transição é importante não apenas pelo resultado que sair da proposta, mas também pela própria negociação. É um momento de calibragem da política e de testar limites. Isso normalmente ocorreria após o início do governo, mas foi antecipado pelo atual presidente, que desapareceu deixando um orçamento fictício.
Após tratar Bolsonaro como seu pet nos últimos anos, o grupo comandado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, quer que o novo governo entregue poder para lhe devolver orçamento. Lula, que sempre defendeu que governabilidade vem com divisão de poder, prefere o contrário: quer definir o orçamento para, depois, ver o quanto de poder entrega ao grupo.
O centrão quer ministérios com força para influenciar na realidade política municipal, como o da Saúde - o que seria uma excrecência após escândalos de corrupção na pasta envolverem caciques do grupo durante a pandemia de covid-19.
E também poder continuar apontando o destino de R$ 19 bilhões (só em 2023) das emendas de relator. Pressionado pela votação no STF sobre o orçamento secreto, o Congresso Nacional aprovou, nesta sexta (16), uma mudança que garante transparência, mas ainda mantém a decisão sobre a divisão dos recursos nas mãos de meia dúzia de pessoas, entre elas, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e lideranças dos partidos.
Nesta segunda (19), o STF formou maioria pela inconstitucionalidade do mecanismo com o voto do ministro Ricardo Lewandowski. O centrão esperava para ver a decisão para decidir como vota a PEC da Transição nesta terça. A decisão, se por um lado, dá um respiro ao novo governo na negociação com o centrão, por outro, deve levar o grupo de Lira, insatisfeito com o que chama de interferência indevida do Supremo, a procurar formar criativas de manter o controle dos recursos e, claro, dar o troco.
Por mais que tenha um "plano B" nas mãos, o novo governo deve usá-lo apenas em caso de desastre. Porque significaria comprar uma briga com o centrão, que quer o seu quinhão de poder desde já, bem como ver assegurado o seu direito de gastar bilhões em emendas como bem entender. Lembrando que o Congresso que saiu das urnas não será mais simpático a Lula do que aquele que hoje está.
Neste domingo (18), antes do jogo, ele se reuniu com Lira no hotel em que está hospedado em Brasília por duas horas antes da final da Copa. Não foi de futebol que falaram, mas da dificuldade de aprovar a proposta. Em outras palavras, de quanto isso vai custar. A questão é o quanto o petista estará disposto a ceder, lembrando que se isso significa construir governabilidade também aceitar voluntariamente um cabresto.