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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cerco a Lira não abate líder do centrão, mas pode reduzi-lo ao tamanho real

Colunista do UOL

20/12/2022 08h57

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Mesmo os mais otimistas na oposição comentam que uma derrota de Arthur Lira na reeleição ao comando da Câmara é, hoje, improvável. Isso não impediu que começassem a circular nomes de possíveis adversários a ele no campo lulista. O objetivo é o mesmo que o das decisões do STF sobre o orçamento secreto e a grana para o Bolsa Família: uma tentativa de devolver Lira e o centrão a um tamanho republicano.

Como divulgado por Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, nesta terça (20), candidaturas alternativas são ventiladas, algumas à esquerda com poucas chances de sucesso, e outras à direita.

Claro que a base de Lula não vai cometer o mesmo erro da de Dilma Rousseff e jogar suas fichas contra Lira, como fez na eleição de Eduardo Cunha, correndo o risco de colocar o próprio impeachment no forno. Mas o zunzunzum gera desconforto para uma reeleição que, no curso do trâmite da PEC da Transição, ganhou apoio do PT como parte do acordo.

De certa forma, esses balões de ensaio acabam funcionando como a lenda de que servos acompanhavam César em desfiles triunfais em Roma para sussurrar "memento mori" (lembra-te que és mortal) em seu ouvido e evitar que acreditasse que é mais do que realmente é.

Lira está longe de ser César, mas permitiu que Nero se mantivesse no cargo e tacasse fogo no país. Em troca, o centrão ganhou um tamanho que não cabe na República, usurpando funções do Poder Executivo na execução orçamentária.

A dica, contudo, pode ser útil para fazer com que os atores envolvidos lembrem-se do seu real tamanho, que é aquele garantido pela Constituição Federal, permitindo encontrar saídas políticas para aprovar projetos de interesse do futuro governo, destinar os recursos das emendas de relator e construir a nova base do governo. Se eles vão aceitar a sugestão, são outros quinhentos.

A Câmara deve analisar, nesta terça, a autorização para que Lula mantenha o Bolsa Família fora do teto de gastos por dois anos, liberando orçamento para bancar gastos com educação e saúde, por exemplo. Mas também permitindo que o próprio governo Jair Bolsonaro possa fugir da pane seca à qual submeteu o Brasil por torrar recursos públicos em sua reeleição.

O centrão, na ânsia por ficar com uma fatia suculenta do bolo ministerial, com pastas como Saúde, Minas e Energia e Transportes, ameaça o governo eleito com a aprovação de apenas um ano de Bolsa fora do teto. Com a decisão de Gilmar Mendes, afirmando que a Constituição já permite isso, perderam um pouco o poder de barganha.

Ao mesmo tempo, o fuzilamento do orçamento secreto por parte do Supremo Tribunal Federal, nesta segunda (19), pode reduzir a influência dos presidentes da Câmara e do Senado. Quem acompanha o Congresso sabe que o centrão está irritado com isso e vai conseguir uma saída para manter sob o seu controle a liberação dos R$ 19 bilhões previstos nesse mecanismo para 2023.

Mas a construção dessa saída, mais transparente e em consonância com o que decidiu o STF, também estabelece as bases de como centrão e governo devem bailar juntos no ano que vem.

Se Lira e o centrão conseguem fazer demonstrações de força, Lula mostrou que não é Bolsonaro e também sabe jogar. Mais do que um processo de emparedamento de parte a parte, estamos vendo uma recalibragem da relação entre Legislativo e Executivo antes dominada pelo centrão, que transformou Jair em seu pet. Por mais violenta que pareça, ela é necessária para que a República não se mantenha como um puxadinho do gabinete da Presidência da Câmara.