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Após barulho nas eleições, Forças Armadas silenciam sobre atos golpistas
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Nem as Forças Armadas, nem o Ministério da Defesa publicaram, até agora, nota oficial repudiando a invasão golpista do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF no último dia 8. A falta de uma manifestação em defesa das instituições em suas páginas e redes sociais contrasta com as declarações frequentes do período eleitoral, criticadas como interferência indevida.
Uma manifestação pública oficial repudiando os atos ajudaria no arrefecimento dos ânimos de que vem clamando por uma intervenção das Forças Armadas. O silêncio ocorre em um momento em que militares vêm sendo criticados por conivência com os acampamentos de caráter golpista.
A última nota oficial do site do Ministério da Defesa é "Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas", de 10 de novembro do ano passado. Ironicamente, a força motriz dos atos golpistas de 8 de janeiro foram exatamente as mentiras contadas pelo então presidente Jair Bolsonaro sobre a falta de lisura do sistema eleitoral.
Os militares haviam sido duramente criticados por golpistas depois que o tal relatório não afirmou que a eleição foi roubada. Para agradá-los, o Ministério da Defesa de Bolsonaro publicou a nota baseada na falácia de que fraudes são possíveis porque os militares não conseguiram provar que são impossíveis.
A última nota conjunta assinada pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica disponível nas páginas das forças data de 11 de novembro, defendendo que manifestações são legítimas, referindo-se àquelas em torno de instalações militares que pediam golpe de Estado. O texto afirmava que eventuais restrições a esses atos eram "condenáveis", em um recado a quem tentava por fim à bomba-relógio que viria a explodir na semana passada. Ressalte-se que o país ainda vivia o período eleitoral, que terminou com a diplomação de Lula em 12 de dezembro.
Os comandantes também avaliaram que "eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública" são condenáveis. Mas, após o 8 de janeiro, não houve condenação em nota pública por parte dos novos comandantes que assumiram com a troca de governo.
Tampouco houve um tuíte reprovando os ataques às sedes dos Três Poderes. O silêncio nas redes sociais sobre o assunto contrasta com o comportamento de outrora, quando o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, usou sua conta na rede para pressionar o Supremo Tribunal Federal contra um habeas corpus a favor de Lula em 2018.
As Forças Armadas podem se pronunciar sobre assuntos que dizem respeito às funções que lhes cabem de acordo com a Constituição Federal, obedecendo ao Ministério da Defesa. Contudo, durante o governo Jair Bolsonaro, opinaram sobre o que não lhes dizia respeito, como o sistema eleitoral. Seria salutar, portanto, o silêncio que agora fazem sobre os atos golpistas se esse silêncio não fosse no sentido contrário de algumas de suas ações.
Exército pune militares, mas protegeu acampamento golpista
O Exército agiu para indiciar e punir membros que participaram de atos, como o coronel da reserva Adriano Testoni, que ficou famoso por aparecer em um vídeo babando e xingando a cúpula da força de "bando de generais filhos da puta, covardes, Alto Comando do caralho", entre outras coisas, por não terem se engajado no golpe. Ele também foi demitido do Hospital das Forças Armadas, onde trabalhava.
Outros, como o capitão de mar e guerra reformado Vilmar José Fortuna, que participou do ato golpista,foi demitido de cargo que ocupava no Ministério da Defesa.
Mas as forças vêm sendo criticadas pelo comportamento de seus membros da ativa, como o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial do Exército, major Paulo Jorge Fernandes da Hora, investigado por dificultar a ação da polícia para retirar os golpistas do prédio.
E, principalmente, pela demora em desmobilizar o acampamento golpista em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, usado como cabeça de ponte para o ataque aos prédios da Praça dos Três Poderes.
O Exército também impediu a entrada da Polícia Militar no acampamento na noite do dia 8. Dois blindados foram deslocados para a entrada do Setor Militar Urbano, para deixar claro o recado. Isso foi corroborado em depoimento pelo ex-comandante da PM, Fabio Augusto Vieira, exonerado do cargo após a intervenção federal no DF. As prisões puderam acontecer apenas na manhã seguinte, dando tempo para muitos escaparem.
Depoimento de Vieira e do próprio governador Ibaneis Rocha, afastado das funções pelo STF por conta da omissão diante do caos, apontam que a PM já havia tentado desmobilizar o acampamento em dezembro e o Exército não autorizou.
O ministro da Defesa, José Múcio, chegou a dizer a Lula antes dos ataques que um processo de desidratação pacífica estava surtindo efeito. De fato, o número de golpistas reduziu em dezembro, mas o acampamento golpista continuava lá, protegido pelos militares.
O QG do Exército, dessa forma, serviu de QG para o ataque à sede da PF e a queima de carros e ônibus no dia 12 de dezembro, para planejar e organizar a colocação de uma bomba em um caminhão de combustível a fim de explodir o Aeroporto de Brasília no dia 24 e, finalmente, como base para o terrorismo do dia 8.
Sobre os ataques de 12 e 24 de dezembro, também não há nenhuma nota oficial.