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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula troca comando do Exército por general sem medo de defender democracia

Colunista do UOL

21/01/2023 16h13

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Lula escolheu como novo comandante do Exército o primeiro general à frente de tropas que teve coragem de defender publicamente a democracia e o resultado das eleições após os ataques golpistas de 8 de janeiro. Tomás Ribeiro Paiva ocupará o lugar do general Júlio César de Arruda, criticado por inação. É cedo para dizer se isso vai reduzir as animosidades, mas o presidente tomou uma atitude.

Paiva, comandante militar do Sudeste, em um discurso às suas tropas, nesta quarta (18), afirmou que as urnas e a alternância de poder precisam ser respeitadas.

"Essa é a mensagem que quero trazer para vocês. Em que pese o turbilhão, o terremoto, o tsunami, nós vamos continuar íntegros, coesos e respeitosos e vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, da alternância de poder. É o voto", disse.

Ele, que é um dos dois mais antigos oficiais do Alto Comando do Exército, foi perseguido e atacado por bolsonaristas nas redes sociais e aplicativos de mensagens por se opor a qualquer ação golpista após o segundo turno. Apesar disso, manteve a posição. Seu último discurso foi exatamente o que se esperava de um comandante do Exército em meio ao golpismo para o qual bolsonaristas queriam jogar a instituição.

Vale ressaltar que nem os comandantes das três forças, nem o Ministério da Defesa haviam publicado nota oficial repudiando a invasão golpista do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF no último dia 8. A falta de uma manifestação pública em defesa das instituições em suas páginas e redes sociais contrastou com as declarações frequentes do período eleitoral, criticadas como interferência indevida.

Uma manifestação oficial repudiando os atos ajudaria no arrefecimento dos ânimos dos que vêm clamando por uma intervenção das Forças Armadas. O silêncio ocorre em um momento em que militares vêm sendo criticados por conivência com os acampamentos de caráter golpista.

A última nota conjunta assinada pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, antecessores dos atuais, disponível nas páginas das forças, data de 11 de novembro, defendendo que manifestações são legítimas, referindo-se àquelas em torno de instalações militares que pediam golpe de Estado.

O Exército agiu para indiciar e punir membros que participaram de atos, como o coronel da reserva Adriano Testoni, que ficou famoso por aparecer em um vídeo babando e xingando a cúpula da força de "bando de generais filhos da puta, covardes, Alto Comando do caralho", entre outras coisas, por não terem se engajado no golpe.

Mas a força vinha sendo criticada pela passividade diante do comportamento de seus membros da ativa, como o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial do Exército, major Paulo Jorge Fernandes da Hora, investigado por dificultar a ação da polícia para retirar os golpistas do prédio.

Ou mesmo do general Júlio César de Arruda. O Exército impediu a entrada da Polícia Militar no acampamento na noite do dia 8 para prender os envolvidos nos atos golpistas. Dois blindados foram deslocados para a entrada do Setor Militar Urbano, para deixar claro o recado. As prisões puderam acontecer só na manhã seguinte, dando tempo para muitos escaparem. Arruda é apontado com um dos responsáveis por isso.

O QG do Exército, dessa forma, serviu de QG para o ataque à sede da PF e a queima de carros e ônibus no dia 12 de dezembro, para planejar e organizar a colocação de uma bomba em um caminhão de combustível a fim de explodir o Aeroporto de Brasília no dia 24 e, finalmente, como base para o terrorismo do dia 8.

A troca ainda vai gerar muito ruído na tropa e na cúpula do Exército, que se reuniu para discutir a demissão. E, vale lembrar, que o legalismo de Paiva não significa que seja alinhado ao campo político do presidente - ele já foi chefe de gabinete do general Villas Bôas, conhecido pelo tuíte através do qual pressionou o STF para mandar Lula para a cadeia em 2018.

Mas o seu discurso o alçou a candidato natural a substituir Arruda. Portanto, a mudança pode não ter sido uma grande novidade interna.

É necessário pacificar as Forças Armadas. Mas a história do Brasil mostrou que não se faz isso parado, jogando ações e omissões para baixo do tapete.