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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PF aponta mandante de morte de Bruno e Dom. Para Jair, culpa era de vítimas

Colunista do UOL

23/01/2023 19h20

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A Polícia Federal afirmou, nesta segunda (23), que os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em junho do ano passado, tiveram um mandante. As evidências apontam para Ruben Villar, conhecido como Colômbia, líder de uma organização criminosa de pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari. Para o então presidente Jair Bolsonaro, contudo, Bruno e Dom eram os responsáveis pelas próprias mortes.

E não foi um lapso, pois ele repetiu a aberração mais de uma vez.

Em 7 de junho de 2022, disse: "Realmente... Duas pessoas apenas, em um barco, em uma região daquela, né, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer".

Dois dias depois, em Los Angeles, onde estava para a Cúpula das Américas, ele teve tempo de culpar as vítimas uma segunda vez: "Naquela região, geralmente você anda escoltado, foram para uma aventura, a gente lamenta pelo pior".

Jair operava o tempo todo em um modo reativo, tentando tirar o corpo fora por problemas ocorridos sob sua administração. Ao invés de prestar solidariedade às famílias e declarar que todos os esforços estavam sendo feitos por seu governo para encontrar os dois, ele também aproveitava para tentar evitar que a responsabilidade caísse em suas costas. No limite, culpando as próprias vítimas.

Foi assim com as mortes na pandemia de covid-19, com a fome e o desemprego, com o desmatamento e as queimadas, com a inflação, com as mortes de indígenas por violência, doenças ou fome.

O que ele chama de "aventura" era, na verdade, um defensor dos povos indígenas e de um excelente jornalista fazendo um papel de fiscalização e monitoramento que caberia ao Estado brasileiro, se governo houvesse entre 2019 e 2022. Eles estavam lá exatamente porque Bolsonaro não estava.

A "aventura" não foi o que eles foram fazer, mas viver em um país em que o então presidente, de um lado, armava a população e, do outro, promovia um ambiente de descumprimento das leis.

Aquela região só é violenta, com a livre ação criminosa de pescadores, caçadores, garimpeiros, madeireiros, traficantes de drogas, entre outros, porque o Estado garante isso.

Seja por uma histórica ausência em garantir os direitos fundamentais dos povos indígenas e ribeirinhos seja porque o ex-presidente deu um salvo-conduto a qualquer grupo que atropelasse as políticas de proteção ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais na Amazônia.

Conflitos existem antes de sua chegada ao poder, mas ele fez questão de aprofundá-los. Sua gestão agiu sistematicamente para enfraquecer a fiscalização da Funai, tratada como inimiga no governo. A exoneração de Bruno do órgão por ter cumprido o seu dever é um exemplo disso.

Bolsonaro pode tentar, mas não vai conseguir fugir de sua responsabilidade no contexto que levou à morte de Bruno e Dom. Ou na situação que permitiu uma tragédia humanitária de proporções genocidas junto aos yanomamis. De uma forma ou de outra, ele conseguiu deixar marcado seu nome na História.