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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chacina de Unaí, 19 anos: Impunidade de mandantes ricos semeia a violência

Caminhão com toras de madeira derrubadas por grupo de trabalhadores resgatados da escravidão em Rondônia em 2019 - Grupo Especial de Fiscalização Móvel/ME
Caminhão com toras de madeira derrubadas por grupo de trabalhadores resgatados da escravidão em Rondônia em 2019 Imagem: Grupo Especial de Fiscalização Móvel/ME

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL

28/01/2023 20h27

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Apesar de os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão, terem sido condenados pela Chacina de Unaí, ocorrida em 28 de janeiro de 2004, eles não estão presos. Sua impunidade é um convite a mais violência no campo no contra trabalhadores, camponeses, povos tradicionais, defensores de direitos humanos e servidores públicos que tentam colocar ordem nessa zorra.

Há exatos 19 anos, os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram executados em uma fiscalização de rotina no Noroeste de Minas Gerais em 2004. Por conta disso, nessa data celebra-se o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Os irmãos Mânica foram apontados como os mandantes do crime pela Polícia Federal seis meses depois. Desde então, entre ida e vindas, julgamentos e anulações, eles foram condenados. Porém, aguardam recursos em liberdade.

O inquérito apontou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas multas impostas à família de fazendeiros, sendo que o auditor-fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações por sistematicamente descumprirem as leis.

O motorista Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel parou o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Os auditores fiscais morreram na hora.

Mesmo após ser vinculado à chacina, Antério foi eleito prefeito de Unaí, em 2004, com 72,37% dos votos válidos. E reeleito em 2008. Em novembro de 2008, chegou a ser um dos condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Antério foi condenado 100 anos de prisão, em 2015, mas teve o julgamento anulado. Em maio do ano passado, foi condenado novamente a 64 anos. Livre com a condescendência de Justiça, ele aproveitou para pedir votos a Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado através de um vídeo que circulou pelas redes sociais.

Isso faz sentido. A chegada de Jair ao poder garantiu que garimpeiros, madeireiros, grileiros de terra, milicianos rurais e agropecuaristas que atuam de forma ilegal pudessem agir livremente ao adubar ataques às instituições responsáveis pela fiscalização e semear sabotagens nas políticas de proteção à dignidade humana.

Se estamos, agora, colhendo um genocídio Yanomami, é por causa do projeto de Jair.

Não à toa muitos da base eleitoral do ex-presidente, como ricos fazendeiros do Sul do Pará, bancaram atos golpistas. Eles perdem, e muito, com a chegada de Lula ao poder. Não porque o petista seja perfeito, mas por Bolsonaro ser a necropolítica em pessoa.

Prova disso é que ele jogou a população contra fiscais do trabalho durante seu mandato. Um exemplo é um episódio em que um empresário rural do Ceará reclamou com ele por ter sido multado devido a problemas trabalhistas. O presidente divulgou a reclamação e incitou seus seguidores contra a fiscalização.

Em pouco tempo, as contas de redes sociais do presidente da República foram inundadas por seguidores favoráveis a ações violentas contra os fiscais.

A impunidade da Chacina de Unaí mostrou a ricos produtores rurais que era possível enfrentar o Estado brasileiro e ficar de boas. Bolsonaro fez questão de confirmar essa máxima nos últimos anos. Até que a Justiça prove o contrário, essa é a verdade que vale no campo do Brasil.