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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Escândalo das joias pulveriza imagem de Bolsonaro como 'homem do povo'

Colunista do UOL

15/03/2023 16h33Atualizada em 15/03/2023 19h53

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Jair Bolsonaro (PL) se envolveu em vários escândalos ao longo de sua carreira, de racismo à rachadinha, mas nenhum tem o potencial de manchar a imagem de "homem do povo" que ele criou junto ao seu eleitorado como a tentativa de surrupiar do patrimônio público as joias de luxo "dadas" pela Arábia Saudita.

A questão não é o valor (neste caso, R$ 17 milhões, somando colares e brincos, relógios e abotoaduras), e sim a natureza dos bens envolvidos.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também os quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um "homem comum" que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico parindo funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.

Mas esse personagem convenceu muita gente. Afinal, ele aparecia em vídeos (planejados por seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro) oferecendo pão com leite condensado ao representante do governo dos Estados Unidos, deixando cair a farofa do frango sobre sua roupa, fazendo lives improvisadas com bandeiras coladas à parede com fita crepe, cometendo erros de português frequentes entre o povão para gerar empatia ao ser ridicularizado pela elite intelectual, que caía em todas as armadilhas.

Agora, esse personagem foi pego embolsando ilegalmente R$ 400 mil em joias masculinas e tentando surrupiar mais R$ 16,5 milhões em femininas, adotando militares como "mulas" para importar ilegalmente a muamba e usando todo o peso do governo para pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga.

O eleitorado tem mais facilidade de gravar na memória escândalos com produtos considerados de luxo, como diamantes e ouro. Neles reside não apenas o absurdo do desvio da coisa pública, mas a utilização desses recursos para fazer do governante uma pessoa que desfruta de luxos a que a maioria da população nem sonha em ter acesso.

Não é à toa que as notícias que relatam concorrências públicas para fornecer camarão, lagosta, uísque e champanhe à despensa de presidentes, ministros, embaixadores e generais são tão clicadas pelo público.

Ou que detratores de Lula difundiram a farsa de que ele havia ganho um triplex no Guarujá de uma construtora como pagamento por negociatas na Petrobras em meio à operação Lava Jato. Triplex no imaginário popular é um lugar luxuoso e nababesco - na realidade, o apartamento em questão tinha 215 metros quadrados e foi leiloado por quase oito vezes menos que as joias que Jair queria afanar.

Resgates como o dos 207 escravizados em Bento Gonçalves (RS) acontecem com frequência no Brasil, com níveis semelhantes de violência - alguns casos terminando, inclusive, em morte e ocultação de cadáver. Foram mais de 60,5 mil pessoas que ganharam a liberdade desde 1995, quando a fiscalização sistemática desse crime foi instalada no país. Uma das hipóteses para que este caso específico tenha ganhado tração no debate público é que ele trata de vinho, produto que no Brasil é visto como de luxo. Ou seja, escravizados produzindo objetos para a elite.

Para efeito de comparação, o caso anterior que ganhou tração semelhante na imprensa e nas redes foi um resgate de trabalhadores, em 2011, na produção de roupas para a rede espanhola Zara - que, no Brasil, é vista como marca de elite. Como uma loja que cobrava caro nas vitrines poderia se beneficiar da degradação de migrantes bolivianos era a pergunta na época.

Como Jair Bolsonaro, que se vendia como um "homem comum", um "homem do povo", pode surrupiar joias de luxo que pertenciam ao governo brasileiro, é a pergunta da vez.