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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro volta à cena do crime após país atingir 700 mil mortos por covid

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Um dos clichês de romances policiais é que culpados sempre voltam ao local do crime, seja para se gabar da tragédia ou rir das tentativas de encontrar o responsável. Coincidentemente, Bolsonaro volta, nesta quinta (30), dois dias após o Brasil ultrapassar 700 mil mortes por covid - marca que só foi alcançada graças a ele.

Desse total, 693 mil ocorreram durante o seu mandato. O Brasil, que é o 7º país em população foi o 2º em número de perdas humanas.

De acordo com o relatório final da CPI da Covid, o então presidente é culpado de prevaricação, epidemia com resultado de morte, emprego irregular de verba pública, charlatanismo, crime contra a humanidade, tudo por conta de suas ações e omissões na pandemia.

Destaque especial para a divulgação de mentiras que ajudaram a propagar a doença, como a vacina causar Aids, matar crianças e adolescentes e transformar pessoas em jacarés.

Ele enfiou goela abaixo da população remédios sem eficácia para o coronavírus com o objetivo de empurrar o Brasil de volta às ruas. Temia que as necessárias quarentenas, que salvaram vidas mesmo com a sabotagem presidencial, poderiam impactar a economia e, portanto, sua reeleição.

Se um cone, uma cadeira, um chihuahua, meia concha de praia ou uma vassoura estivessem no lugar de Bolsonaro comandando a República, menos mortes teriam ocorrido na pandemia (estimativas mais pessimistas de cientistas chegam a apontar 400 mil que poderiam ter sido salvos). Um cone, uma cadeira, um chihuahua, meia concha de praia ou uma vassoura não fariam nada, mas também não atrapalhariam o país, ao contrário de Jair.

A vassoura, por exemplo, não conseguiria articular governadores e prefeitos visando a um plano nacional de isolamento para salvar vidas. Mas Bolsonaro também não fez isso, pelo contrário, bombardeou qualquer tentativa nesse sentido. E a vassoura não tentaria furar o isolamento social, não teria ordenado o então ministro (sic) da Saúde e hoje deputado federal Eduardo Pazuello a interromper a compra de vacinas, não teria chamado de mimimi o choro de quem perdeu parentes e amigos.

A vassoura não diria que "a morte é o destino de todo mundo", nem faria piada com sintomas de falta de ar de doentes crônicos por covid, muito menos afirmaria que não é "coveiro" ao ser questionado por países que estavam melhores do que nós no combate à doença. A pandemia não poderia ter sido evitada, mas sim amenizada se o comportamento dele tivesse sido outro.

No cálculo eleitoral mórbido do presidente, o lamento pelos mortos não seria eleitoralmente estridente, pois os óbitos representam 0,32% da população. Para tanto, precisava da ajuda do esquecimento coletivo. Mas, ao sabotar o combate à pandemia, ele a estendeu por mais tempo, o que ajudou a minar ainda mais a economia. Com isso, a fome e a carestia custaram votos preciosos a ele.

Gosto de acreditar que a maioria do país demonstrou que não somos como ele acreditava que fossemos. Uma maioria apertada, mas ainda assim, uma maioria.

Agora, Bolsonaro pode ser alvo de processos por causa da pandemia, sem a proteção do foro privilegiado. Pedir punição pelas mortes não é vingança, como seus seguidores afirmam. Não se pede o justiçamento aplicado pelos milicianos do Rio de Janeiro, tão defendidos por ele, com o reequilíbrio obtido na base da porrada, com as próprias mãos. O que se exige é Justiça dentro das "quatro linhas da Constituição", como ele mesmo gosta tanto de repetir.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O Brasil é o 7º país em população e foi o 2º em número de perdas humanas na pandemia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL