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Após tratar TSE como o diabo, Bolsonaro suplica por perdão ao tribunal
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Durante mais de dois anos, Jair Bolsonaro tratou o Tribunal Superior Eleitoral como o verme do cocô do cavalo do bandido de um filme de baixo orçamento. Agora, ajoelha-se aos ministros em busca de absolvição no momento em que sua inelegibilidade desponta no horizonte.
O então presidente havia difundido que as urnas eletrônicas eram corrompidas e manipuladas em nome do PT, usou técnicos das Forças Armadas para tentar colocar em dúvida a lisura da corte, transformou os chefes do TSE (Luís Roberto Barroso e, depois, Alexandre de Moraes) em alvos de seu rebanho, colocou embaixadores estrangeiros em um espécie de "cercadinho" para atacar o sistema eleitoral brasileiro.
Produziu, portanto, farta prova contra si mesmo no próprio ambiente que o julgaria.
Agora, no momento em que apresenta a sua defesa à corte no caso que guarda a maior chance de torná-lo inelegível, exatamente o dos embaixadores, Jair milagrosamente se converteu.
Seus advogados vendem uma imagem diferente daquela figura que chamou Moraes de "canalha". Chega a dizer que o TSE tem "postura leal e institucionalmente irmanada com a genuína proteção da democracia", como apurou o Painel da Folha de S.Paulo.
Para desgosto de Francisco de Assis, exatamente o santo católico que fez opção pelos pobres, ao contrário de Jair, seus advogados chegar a dizer que a reunião com os embaixadores foi "franciscana". Defendem que ela teve baixo custo aos cofres públicos, ignorando que um ataque frontal à democracia e a transformação do Brasil em chacota internacional não podem ser precificados.
Também dizem que "não houve qualquer hostilidade antidemocrática ao sistema eleitoral" no evento quando o próprio evento foi uma hostilidade antidemocrática ao sistema eleitoral.
Por mais de 40 minutos, embaixadores estrangeiros sentiram o gosto do que é ser um daqueles figurantes que habitavam o cercadinho de Jair, onde contava livremente fake news sobre o céu e a terra para receber palmas em frente ao Palácio do Alvorada.
Sem trazer provas, em uma apresentação constrangedora e com um PowerPoint com erros de inglês, o então presidente fez um compilado das mentiras que ele e seu governo vinham contando sobre o sistema eleitoral e as instituições brasileiras e despejou nos embaixadores.
E, atropelando a lei eleitoral, utilizou a estrutura da TV Brasil, um canal público, para divulgar de graça o que foi um ato de campanha realizado em um prédio público, a sede do Poder Executivo.
Afirmou que hackers atuaram por meses no sistema do TSE, podendo mudar o que quisessem (o que é mentira). Disse que a eleição não é auditável sem o voto impresso (o que também é mentira). Indicou que há um conluio do STF e do TSE para eleger Lula (o que é mais uma mentira). Disse que as eleições de 2018 foram fraudadas porque ele acha que venceu no primeiro turno (o que é outra mentira). Sugeriu que as eleições de 2020 nem deveriam ter sido realizadas por desconfiança da eleição anterior (o que é uma sandice). E, frisando que é o chefe das Forças Armadas, disse que elas não assistirão quietas às eleições (o que é uma ameaça).
O principal público do show de horror em formato stand up do presidente não foram as representações estrangeiras no Brasil. O impacto lá fora não seria favorável a Bolsonaro, como comentaram à coluna três embaixadores brasileiros logo após o evento. Ressaltaram, porém, que não deixa de ser vergonhoso e constrangedor que nossa política externa, historicamente respeitada por sua independência e serenidade, tenha se transformado em instrumento de caráter golpista.
O principal público-alvo foi o interno. Jair mostrou, dessa forma, aos brasileiros que denunciava ao mundo um golpe em curso perpetrado pela oposição e pela Justiça Eleitoral quando é ele, na verdade, quem estava construindo um golpe não apenas para não reconhecer o resultado das urnas, caso perdesse. Tentativa de golpe que foi materializada no dia 8 de janeiro deste ano.
E é esse impacto ao eleitorado interno que também está sendo julgado pelo TSE. Das 16 ações em curso contra Bolsonaro, essa, apresentada pelo PDT, é a mais avançada e deve impedi-lo de concorrer em duas eleições presidenciais. Seria o caso não de apelar a São Francisco, mas talvez a São Judas Tadeu, que guarda as causas impossíveis.