Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Rio inova na tecnologia da corrupção com fantasma desviando grana via Pix
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Há governos que inovam para oferecer aos cidadãos serviços ágeis e sem burocracia. Já o governo do Rio de Janeiro inova para garantir formas mais modernas de desviar dinheiro público. Nesta quinta (27), o estado apresentou ao Brasil a rachadinha via Pix feita por fantasmas.
Um esforço hercúleo de apuração de Ruben Berta e Igor Mello, do UOL, entrou em contato com 75 bolsistas que deveriam ter dado aulas em um projeto de qualificação profissional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Eles receberam uma bolada e repassaram a maior parte dela a terceiros através de Pix e boletos nos meses que antecederam a campanha eleitoral do ano passado. Para quê? Ganha um doce quem adivinhar.
Ao todo, 92 bolsistas ganhavam uma bolsa de R$ 34 mil brutos por mês, ficavam com uma parte - na maioria das vezes, algo em torno de R$ 2 mil - e entregavam o resto. No total, foram R$ 8 milhões entre abril e agosto de 2022.
Um advogado recebeu mais de R$ 100 mil e admitiu que não trabalhou, outros 54 não explicaram se prestaram algum serviço de fato, 12 não fazem ideia de como seus dados foram usados na sacanagem. Outra inovação: o fantasma que não é branco, mas laranja.
Recomendo fortemente a vocês investirem parte de seu tempo na leitura dos depoimentos da reportagem. Eles são um registro rico da inventividade e da cara-de-pau humana usadas para sacanear os contribuintes e os eleitores.
"Um amigo próximo a um político aqui da região me chamou para dar aulas nesse projeto. Cheguei a preparar um material, mas, no dia do primeiro pagamento, ele disse que não seria necessário realizar o trabalho. Fomos ao banco e saquei todo o dinheiro. Fiquei com R$ 2.000 e, com o restante [cerca de R$ 23 mil], ele pediu para que eu pagasse um boleto em nome de uma empresa de terraplanagem", por exemplo.
Questionado, um pastor evangélico que recebeu R$ 149 mil brutos entre abril e agosto, tendo sacado a metade disso na boca do caixa, mandou a reportagem procurar a reitoria da universidade. A esposa recebeu e devolveu o mesmo que ele. É o milagre da multiplicação! Glória a Deus!
A série de reportagens de Ruben Berta e Igor Mello vem mostrando que o governo Cláudio Castro (PL) usou órgãos ligados à educação, como a Fundação Ceperj e a Uerj, para bancar pessoas ligadas a aliados políticos. As reportagens, que levaram a uma investigação do Ministério Público, contam um cenário de terra-arrasada: cargos secretos, funcionários-fantasma, alunos de mentira, vultuosos saques em dinheiro, rachadinhas, enfim, financiamento de cabos eleitorais de aliados com recursos que deveriam ser gastos na construção do futuro.
E, no fundo do poço, havia um alçapão. Após reportagens do UOL mostrarem que milhões foram usados em programas com folhas de pagamento secretas envolvendo a Uerj, o que fez a universidade no ano passado? Bloqueou o acesso às informações. Afinal, era período eleitoral.
Foram colocados sob sigilo processos de prestação de contas onde estavam disponíveis folhas de pagamento de projetos bancados com recursos do governo fluminense na Uerj. Basicamente, a universidade alegou proteção aos dados dos envolvidos, apesar de ter bloqueado muito mais do que as folhas com informações pessoais.
Inquirida sobre o bloqueio na época, a Uerj afirmou que "os processos mencionados não se encontram sob sigilo e sim com acesso restrito". Na novilíngua da esfera de influência do bolsonarismo, o fuzilamento da transparência tem vários nomes.
O escândalo dos cargos secretos, cuja engenharia fez o do orçamento-secreto do Congresso Nacional parecer coisa de amadores, começou a ser revelado pelo UOL em 30 de junho. E não causou um grande impacto na imagem de Castro. Duas possibilidades: o eleitorado ainda não ficou sabendo ou não se importou com as evidências de que o dinheiro que seria usado na educação estava sendo destinado para a Festa da Fruta Eleitoral no seu governo.
No final das contas, a inovação que, ao que tudo indica, irrigou campanhas funcionou. E Castro foi reeleito no primeiro turno. Com isso, a "tecnologia eleitoral" desenvolvida poderá ser exportada para outros estados nas próximas eleições. Os moradores do Rio deveriam sentir orgulho.