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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Boiada passa por cima de Marina, que deve rir por último no caso Petrobras

Colunista do UOL

24/05/2023 20h13

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A redução de poder de Marina Silva através da retirada de áreas que haviam sido incorporadas ao Ministério do Meio Ambiente é uma retaliação à decisão do Ibama de rejeitar pedido da Petrobras para prospecção na costa do Amapá. E, ao mesmo tempo, funciona como demonstração de força do centrão e dos ruralistas, lembrando que são eles que, no final das contas, aprovam arcabouço e mudam ministério.

Isnaldo Bulhões (MDB-AL), relator da MP que reestruturou os órgãos do Poder Executivo, amputou o MMA. Depois, uma "boiada" atropelou a pasta de Marina no estilo Ricardo Salles na comissão mista sobre tema. E com o voto dos governistas, sob a justificativa de que a medida provisória pode caducar e, com isso, a Esplanada dos Ministérios voltar automaticamente a ter a cara de Jair.

A ministra tem toda razão de chiar em público e alertar ao mundo que o país, que prometeu voltar a crescer de forma sustentável, está esquartejando a instituição que ajudaria na tarefa. Mas não vai se demitir - já passou por perrengues piores em sua primeira passagem pelo ministério. E como é a grande avalista internacional das ações de proteção ambiental do Brasil, também não pode ser demitida.

Setores relacionados ao saneamento básico, aos resíduos sólidos e aos recursos hídricos devem voltar para outros ministérios. Com isso, o centrão pode vir a controlar áreas estratégicas - política e economicamente. Sim, isso é consequência tanto de um governo que não tem uma base sólida e duradoura no Congresso, mas precisa negociar votação por votação, quanto de um Congresso conservador que não coloca a garantia da qualidade de vida como prioridade.

Uma das perdas mais sentidas foi do CAR, o Cadastro Ambiental Rural, que permite combater a grilagem de terras. Mas, ao menos, ele não está voltando para o Ministério da Agricultura, mas indo para a pasta da Gestão. Marina tem boa relação com sua colega Esther Dweck.

Para a ministra, a questão central é que Lula não a desautorizou na polêmica formada em torno da negativa da licença da Petrobras - o que, aí sim, poderia levá-la a pegar suas coisas e deixar o governo. O presidente disse que se o impacto para a Amazônia for incontornável, daí não há o que fazer, mas que acredita que é possível chegar a uma solução.

E está certo. O Ibama e seu presidente, Rodrigo Agostinho, nunca disseram que a exploração de petróleo naquele trecho da Margem Equatorial Brasileira não iria rolar de jeito nenhum. O que a área técnica disse é que, com a proposta atual da empresa, não vai dar.

A Petrobras pode complementar seus estudos sobre o impacto da exploração na região, apresentando quais ações concretas deve tomar para sanar as "inconsistências preocupantes" apontadas pelo Ibama. Daí, a licença pode ser concedida. E, quando isso acontecer, vai ser uma vitória para Marina.

Esquartejar o MMA não vai levar o Ibama a mudar de posição e o custo de desautorizar a ministra é que acordos comerciais que dependem de condicionantes ambientais, como entre o Mercosul e a União Europeia, podem ir para o vinagre.

Para tanto, a empresa vai ter que pisar no freio e colocar mais dinheiro para apresentar uma proposta que talvez seja menos lucrativa porque precisará operar garantindo que a costa norte do Brasil não seja lambida por ondas de óleo cru. E que a população local seja realmente beneficiária da exploração.

Pois não é apenas questão de salvar o bagre, como muitos dizem. Anos atrás, fiz reportagem na Província Petrolífera de Urucu, no coração do Estado do Amazonas, onde a Petrobras explora gás natural e petróleo. Os campos, no meio da selva, são um milagre da engenharia. Mas a maioria dos moradores do município de Coari, onde ficam os poços, não se beneficiavam dos royalties pagos - só ficavam com o impacto negativo. A Polícia Federal chegou a fazer uma operação contra os políticos que desviavam milhões que deveriam ser usados pelo bem comum.

Situações como essa também precisam ser previstas e discutidas, inclusive considerando a população indígena do Amapá. Pois, na hora de autorizar exploração do petróleo, tudo mundo fala em nome do povo. No momento em que ele jorra para fora, aí é cada um por si.

O Brasil já mostrou ao mundo que os tempos de um presidente e de um ministro do Meio Ambiente que cometem crimes contra a humanidade ficaram para trás. O problema é que ao mandar um recado de que o respeito ao meio ambiente e aos povos indígenas (o ministério de Sônia Guajajara também levou uma tungada) precisam estar subordinados a interesses de grupos conservadores, o Congresso continua atropelando o futuro com sua boiada.

Tudo com os olhos atônicos, resignados e emparedados de um governo que vai finalmente percebendo que não está em 2003, mas em 2023.