Leonardo Sakamoto

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Opinião

Musk ainda vai amar Trump se Tesla derreter no ataque dos EUA à China? 

Parece que o gênio bilionário que promete colonizar Marte não conseguiu prever um evento tão previsível quanto um eclipse: apoiar Donald Trump pode ser péssimo para os negócios. Enquanto a Tesla vê seu valor de mercado despencar e clientes fugirem dela como de um Cybertruck em chamas, Musk finalmente pode estar descobrindo que o mundo não decola quando o líder dos Estados Unidos age como uma criança irresponsável. Pelo contrário, dá chabu que nem rojão molhado.

Trump, o mesmo homem que iniciou uma guerra comercial com a China em seu primeiro mandato e que deu indícios de que faria isso de novo, impôs tarifas agressivas, chegando a um patamar de 145%. Nesta sexta, a China anunciou uma retaliação, baixando 125% sobre produtos do rival. A Tesla, que depende do mercado interno chinês para uma parte significativa de suas vendas globais e da fábrica de Xangai para boa parte de sua cadeia de suprimentos se lascou.

A empresa parou de aceitar novos pedidos na China de carros produzidos em sua fábrica em Fremont, na Califórnia, como o sedã modelo S e o utilitário esportivo modelo X, como informa o New York Times.

Musk, responsável pelo órgão especial criado por Trump para demitir servidores públicos e fazer uma economia burra com critérios tirados de preconceito e de vozes de sua cabeça, não criticou diretamente o chefe pela guerra de tarifas. Mas vem defendendo o seu fim e ataca impiedosamente Peter Navarro, o "jênio" da política comercial da atual gestão.

O bilionário tem relações próximas com o governo comunista de Xi Jinping tanto que a fábrica de Xangai da Tesla foi a primeira a ter aprovação para ser totalmente controlada por uma empresa estrangeira. Mas enquanto ele viu as vendas de sua empresa caírem 11,5% na China, a BYD aumentou 23% no mês passado. A mesma BYD que o bilionário ridicularizou anos atrás e, hoje, está atropelando sua empresa.

Desde que entrou de cabeça na campanha eleitoral de Donald Trump, usando sua plataforma, o X, antigo Twitter, em benefício do seu candidato e distribuindo milhões de dólares para comprar votos de eleitores, Musk vem angariando antipatia. Em nada ajudou seu apoio a partidos de extrema-direita, como Alternativa para a Alemanha, muito menos o gesto de natureza nazista que fez em um evento nos Estados Unidos. Somado a isso, a raiva do americano médio que o vê ele picotando a estrutura do estado norte-americano tem gerado protestos contra seus carros nos Estados Unidos e no resto do mundo.

Nos três primeiros meses deste ano, a Tesla entregou 13% menos veículos do que no mesmo período do ano passado. O preço das ações da empresa chegou a ter um aumento quando circularam informações de que Musk deixaria o governo Trump para voltar a cuidar dos seus negócios. Mas elas perderam 40% de seu valor desde a posse do presidente norte-americano - e o principal problema não foram as tarifas.

Trump deu uma ajuda a seu tech bro preferido no mês passado, quando transformou o gramado da Casa Branca em uma concessionária da Tesla. Expondo modelos de carros elétricos, afirmou que compraria um deles e incentivou os norte-americanos a fazerem o mesmo, rasgando qualquer código de ética pública. E afirmou hoje que iria considerar "terrorismo doméstico" ataques a concessionárias da empresa.

Musk, que se gaba de ser um "livre pensador", parece ter esquecido seu próprio discurso quando decidiu beijar o anel trumpista. O mesmo homem que construiu sua fortuna em cima de subsídios governamentais e da globalização agora abraça um projeto econômico que sabota a Tesla diretamente. A ironia é tão densa que poderia ser usada como blindagem para um foguete da Space X.

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Enquanto Musk se gaba de suas tiradas reacionárias no X, a Tesla perde terreno entre compradores jovens e ambientalistas - justo o público que sustentou seu mito de "empresa do futuro".

Musk pode até colonizar Marte um dia, mas aqui na Terra, as leis da economia são implacáveis: a) apoiar um protecionista raivoso pode significar perder acesso ao maior mercado de carros elétricos do mundo; b) cultivar uma imagem de "edgelord" reaça é afastar os progressistas que compravam seus carros elétricos; c) achar que sua riqueza o torna imune a boicotes leva a assistir à BYD ultrapassar a Tesla em vendas globais.

No fim, o homem que queria governar as estrelas pode acabar queimado pelo sol da realidade: brincar de político tem consequências. E, desta vez, nem um tuíte genial vai salvar a Tesla - talvez só um pedido de desculpas público, um distanciamento urgente de Trump e muita paciência. Ou talvez nem isso dê certo. Mas, considerando o ego do homem mais rico do mundo, é mais fácil um Cybertruck sair sem defeitos de fabricação.

A BYD está contratando na China, caso ele precise de um plano B.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL