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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cinco razões pelas quais o ‘roteiro do golpe’ é o puro suco de Bolsonaro

24.fev.2021 - O então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
24.fev.2021 - O então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

17/06/2023 09h01

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Fica difícil para Jair Bolsonaro dizer que não tem nada a ver com o roteiro de golpe de Estado encontrado no celular de seu ex-faz-tudo, o tenente-coronel Mauro Cid, pois o documento se encaixa à perfeição com as ações tomadas pelo então presidente e seus aliados nos últimos anos contra a democracia.

Sim, o plano em posse de "Cidão", como era chamado pelo subchefe do Estado Maior do Exército, o coronel Jean Lawand Júnior, que tratava de um golpe com ele em conversas de WhatsApp, ajuda a explicar como uma série de ações tomadas pelo bolsonarismo eram, na verdade, passos de uma conspiração. Que não teve o apoio da maioria da cúpula militar, mas passamos perto de uma catástrofe.

A minuta de golpe de Estado previa a decretação de um estado de sítio no país por Bolsonaro, bem como uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, dando plenos poderes para que as Forças Armadas matassem a saudade de abril de 1964.

E a execução do documento de Cid abre alas para a minuta golpista encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, o bolsonarista Anderson Torres. Essa daria poderes às Forças Armadas para intervirem no Tribunal Superior Eleitoral e melarem a eleição.

Para embasar a necessidade de que as Forças Armadas interviessem na democracia, arrancassem ministros do STF e do TSE de suas togas e eternizassem Jair no comando da coisa toda, o documento encontrado com o faz-tudo do ex-presidente parte de uma série de premissas que não são fatos, mas mentiras construídas pelo próprio bolsonarismo. Puro suco de cinismo.

1) O documento afirma que Alexandre de Moraes é suspeito por interesses políticos e não poderia ter presidido o Tribunal Superior Eleitoral - Durante anos, Bolsonaro e seus aliados produziam fake news para minar a credibilidade de Moraes exatamente por saberem que ele assumiria o TSE durante as eleições. No limite, Bolsonaro passou a chamar Moraes de "canalha" em público, como no ato golpista de 7 de setembro de 2021 em São Paulo.

2) A minuta golpista também "denuncia" que houve censura prévia a profissionais de imprensa e parlamentares - Não, o que houve foi punição devido a ataques contra as instituições democráticas e o sistema eletrônico de votação. Um exemplo foram as declarações do então deputado federal Daniel Silveira, incitando o espancamento de ministros do STF. Censura, na verdade, era imposta pelo bolsonarismo, que usou a Advocacia Geral da União para tentar calar jornalistas.

3) O documento afirma que o TSE não teria apurado inserções irregulares de propaganda - Para tentar questionar o resultado das eleições caso perdesse, a campanha de Bolsonaro criou essa narrativa, dizendo que rádios deixaram de exibir inserções em uma grande conspiração, com Lula e com TSE. Expliquei, na época, a razão disso não ser verdade. Mas avisei que a bobagem seria usada de forma criminosa para questionar o resultado, como de fato, foi feito.

4) Afirmou que o TSE não deu acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas ao Ministério da Defesa - Outra mentira, os militares inspecionaram o código-fonte das urnas sim. Tanto que, em relatório, as Forças Armadas não apontaram fraude no sistema eletrônico de votação. Mas, para ajudar na narrativa golpista e Jair, a Defesa soltou, em novembro, uma nota pública baseada em uma falácia, dizendo que não é porque eles não acharam nada que uma fraude é impossível. É ridículo, mas foi útil ao roteiro do golpe.

5) Citou que o TSE não levou a sério as "denúncias" de fraude do PL e impôs multa de cerca de R$ 22 milhões contra o partido - Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, pediu ao TSE o cancelamento de 59% das urnas no segundo turno, locais onde Lula teria a maioria folgada, porque as máquinas não seriam confiáveis. O TSE disse que o pedido deveria valer para os dois turnos. Valdemar se negou a fazer isso porque cancelaria a votação que garantiram a ele uma bancada gigante de deputados e senadores. Tomou uma justa multa por usar o jurídico do PL para dar apoio ao golpismo de Jair.

O documento também deixa um espaço para inserir decisões inconstitucionais do STF, sem especificar quais. Provavelmente, o estagiário entrou de férias ou o nobre jurista que ajudou nisso precisou tirar uma naninha.

Reclamações em diálogos colhidos nos celulares, envolvendo o tenente-coronel Mauro Cid, o major Aílton Barros, o coronel Jean Lawand e o coronel Élcio Franco, mostram que a maioria do Alto Comando do Exército não compactuaria com um golpe de Jair. Ou seja, a ala legalista dos militares ajudou a proteger a democracia.

Soma-se a isso que o Poder Judiciário, Poder Legislativo, a imprensa, a sociedade civil e a comunidade de nações não deixariam um golpe prevalecer.

Mas o roteiro do golpe poderia ter sido colocado em prática ainda com Jair no poder, mesmo que não lograsse sucesso no futuro. Bastaria para isso que houvesse um fator disparador.

Como o trancamento das rodovias por golpistas após o segundo turno não prosperou, talvez o momento em que tenhamos chegado mais perto foi quando três bolsonaristas colocaram uma bomba em um caminhão de combustível para explodir o aeroporto de Brasília. O que poderia levar a centenas de mortes.

Os próprios criminosos, que usavam o acampamento na frente do quartel-general do Exército como base, afirmaram que queriam causa o caos, acreditando que isso levaria finalmente à prometida intervenção militar no país.

A bomba deu chabu, não por sorte, mas pela incompetência atávica do bolsonarismo-raiz. O que não deixa de ser um retrato de toda essa conspiração bolsonarista.