Leonardo Sakamoto

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Opinião

Saída de Ana Moser anunciaria que Esporte é moeda de troca, não ministério

Em nome da "governabilidade", Lula pode vir a substituir Ana Moser, ministra com experiência tanto em esporte de alto rendimento quanto no esporte como instrumento de inclusão social, para acomodar um deputado do PP ou do Republicanos. Ou usar a pasta para recolocar partidos aliados que perderem espaço em uma minirreforma. O que seria uma péssima mensagem.

Governabilidade é importante, ainda mais em um país em que seguidores do governo derrotado tentaram um golpe de Estado, depredando as sedes dos três poderes no oitavo dia da nova gestão democraticamente eleita. E no qual membros do Congresso Nacional, que apoiaram o líder golpista, seguem com força e influência.

Mas a expectativa de atletas e de organizações esportivas e sociais era que, com a saída de Jair Bolsonaro, a área fosse priorizada também de forma técnica, não entrando apenas como moeda de troca.

O Ministério do Esporte atrai o desejo de nomes do centrão porque tem capilaridade - a instalação de equipamentos públicos, como quadras e campos, pode significar votos para prefeitos e deputados. E também entrar como "prêmio de consolação" por outra legenda da base que tenha que ser realocada com a dança das cadeiras.

"A gente achava que seria diferente, mas se o ministério for entregue só por conta disso, a impressão será a de estar em um episódio do Choque de Cultura, com alguém gritando: achou errado, otário", comenta em tom de deboche um parlamentar da base do governo que pediu reserva, referindo-se ao glorioso personagem Rogerinho do Ingá, do grande Caito Mainier.

O relatório produzido pelo grupo de trabalho responsável pela transição do governo Lula afirmou que "após uma trajetória de crescimento do esporte no país, com ampliação do orçamento, maior acúmulo no debate público e a realização dos dois maiores eventos esportivos do mundo no país, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o esporte saiu da agenda"

E vai além: "a primeira medida do governo Bolsonaro na área de esporte foi extinguir o Ministério do Esporte, que se tornou uma Secretaria Especial dentro do Ministério da Cidadania". Aponta que, com a extinção do ministério, ocorreu "rebaixamento da pauta, redução do orçamento e perda de relevância".

Enquanto secretaria especial, sob Bolsonaro, o Esporte teve à frente os generais Marco Aurélio Vieira, que deixou o cargo desgastado e sem liberdade para montar sua própria equipe. Em janeiro, o nome do general voltou às manchetes por atacar o STF e o processo eleitoral em um texto distribuído pelo Clube Militar do Rio.

Depois, veio o general Décio dos Santos Brasil (que caiu por resistir a nomear o aliado do presidente Marcelo Magalhães para um cargo, segundo entrevista à Folha de S.Paulo). Padrinho do casamento do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Magalhães veio, enfim, a substituir o general.

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Para além da questão do esporte em si, há a representatividade. Após a demissão de Daniela Carneiro, no Turismo, a retirada de mais uma mulher da Esplanada dos Ministérios seria muito ruim para um governo eleito, segundo as pesquisas, por bem mais eleitoras do que a participação de mulheres na sociedade.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, que teve seu cargo desejado pelo centrão, reclamou da exposição em meio às discussões sobre mudanças no governo. "Não só eu, mas minhas colegas mulheres dos ministérios, somos expostas de uma maneira, ao meu ver, indevida nessa comunicação em torno de possíveis saídas do ministério", disse em entrevista ao UOL. Uma revitimização, na verdade, pois as ministras e mulheres em postos-chave já vivenciam violências politicas diárias.

A decisão final é de Lula, que não terá vida fácil para acomodar os novos/antigos aliados. Mas a governabilidade deveria garantir execução de políticas públicas e não simplesmente a manutenção do próprio governo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL