Leonardo Sakamoto

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Opinião

PSDB flerta com o fundo do poço ao quase filiar o senador Marcos do Val

O senador Marcos do Val (ES) havia anunciado, nesta quinta (21), sua saída do Podemos e filiação ao PSDB. Diante da notícia, a avaliação de quem cobre política em Brasília foi de que a crise no partido era muito pior do que se imaginava.

A cúpula tucana, contudo, correu para afirmar que vetará a transferência do senador do Podemos para tentar preservar a imagem do partido. Pura maldade. Afinal, a agremiação teria agora um "membro de honra e instrutor sênior da Swat", como ele se identifica, entre seus quadros.

"A Direção Nacional do PSDB foi surpreendida com notícia referente a pedido de filiação do senador Marcos do Val e comunica que, caso venha a ocorrer, encaminhará o seu indeferimento", afirmou em nota.

A propaganda negativa não compensaria a manutenção do gabinete de liderança de partido no Senado - são necessárias três almas e, neste momento, só há duas, os senadores Izalci Lucas (DF) e Plínio Valério (AM). Neste ano, aliás, o partido já perdeu Mara Gabrilli (SP) para o PSD e Alessandro Vieira (SE) para o MDB.

Para um partido com mais de um milhão de filiados, que governou o país entre 1995 e 2002, disputou a hegemonia com o PT nas eleições de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014 e chegou a ter 23 senadores no período entre 1999 e 2003, pensar em filiar Do Val para garantir um cafofo é uma situação melancólica.

No ano passado, pela primeira vez desde a sua fundação, em 1988, os tucanos não tiveram candidato próprio à Presidência da República - muito por conta das feridas causadas pela disputa fratricida entre João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS).

Ao tratar da filiação ao PSDB, Marcos do Val afirmou que assumiria a liderança do bloco parlamentar e que o "convite foi recebido pelo senador Marcos do Val como uma consequência do seu trabalho no Senado na oposição ao atual governo federal, da sua colaboração com a CPMI dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e do apoio que vem recebendo de seus pares para que lhe sejam restituídos os acessos às suas redes sociais".

Mas o senador é investigado pela Polícia Federal exatamente por suposto envolvimento em uma conspiração golpista.

Em depoimento que havia dado à Polícia Federal, em 2 de fevereiro, ele confirmou que Jair Bolsonaro havia lhe pedido uma resposta sobre o que achava de uma conspiração.

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O plano bisonho havia sido apresentado a ele em reunião secreta no Palácio do Alvorada no dia 9 de dezembro do ano passado. O objetivo era, segundo Do Val, "invalidar as eleições, manter o ex-presidente no poder e prender Alexandre de Moraes", grampeando-o e tentando fazer com que ele dissesse algo que poderia ser usado contra ele. Tipo uma pegadinha do Ivo Holanda.

O senador alertou o ministro do STF sobre isso na época, mas se negou a repetir a história em um depoimento formal.

Do Val afirmou em seu depoimento que Bolsonaro permaneceu em silêncio durante toda a explanação da conspiração pelo então deputado federal Daniel "Surra de Gato Morto" Silveira, não demonstrando contrariedade ou negando o plano. Ou seja, pelo relato, Bolsonaro sabia exatamente o que havia sido proposto. O silêncio, mais do que prevaricação, demonstrava cumplicidade.

Depois de depor à PF, Marcos do Val mudou a versão, chegando a dizer que criou essas histórias para dificultar investigações de Moraes contra Bolsonaro.

Em 15 de junho, a Polícia Federal bateu à porta dos endereços e do gabinete de Marcos do Val para uma busca e apreensão. Era necessário verificar qual das versões que o senador deu - para a imprensa, para suas redes sociais ou para a PF - era a verdadeira. Com isso, a CPMI dos Atos Golpistas ganhou mais um investigado entre os seus membros.

Ao final, ele deveria ser grato a Moraes. A PF queria prendê-lo, o ministro é quem disse não.

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Era isso que a cúpula do PSDB quis evitar.

O partido já tem seus próprios BOs para resolver. Uma decisão da Justiça determinou que ele faça uma nova eleição para a escolha dos membros de sua executiva nacional, explicitando uma disputa entre os tucanos paulistas e o atual presidente da legenda, o governador gaúcho Eduardo Leite.

Ironicamente, quando o PT enfrentava sua pior crise, com o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula pela Lava Jato e a derrota de Fernando Haddad para Jair Bolsonaro, houve tucanos que vaticinaram o fim do antigo rival. O mundo não gira, capota.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL