Leonardo Sakamoto

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Opinião

Senado avança pacote anti-indígena com bombas piores que o marco temporal

Em retaliação ao STF, que jogou água no chope dos ruralistas ao reafirmar direitos territoriais de indígenas, o Senado Federal chancelou um pacotão anti-indígena criado pela Câmara dos Deputados por 43 votos a 21 nesta quarta (27). Apesar de batizar o projeto de lei, o marco temporal nem é o maior pesadelo presente no texto.

Agora, Lula vai ter que gastar a caneta dos vetos para derrubar os tumores que cresceram na proposta original e bloqueiam a dignidade da população indígena. E isso terá um custo político e financeiro. O PL havia sido aprovado hoje na Comissão de Constituição de Justiça e foi votado no plenário em regime de urgência.

A parte mais conhecida do que foi chamado de PL do Marco Temporal é a que afirma que somente terras ocupadas por indígenas na promulgação da Constituição Federal, ou seja, em 5 de outubro de 1988, podem ser reivindicadas para a demarcação. Uma brincadeira de mau gosto, uma vez que muitos povos estavam expulsos de seus locais de origem naquele momento.

O Supremo derrubou a tese com nove ministros contra e apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques, indicados por Jair Bolsonaro, a favor. Por conta disso, a bancada ruralista já está propondo uma emenda para inserir o marco na Constituição, o que deve abrir novo flanco de batalha entre poderes.

Enquanto isso, aprovam o PL no Senado. Os ruralistas sabem que a parte da nova lei sobre o marco temporal vai cair quando questionada no STF (o que também servirá para criticar os ministros da corte), mas querem as outras bombas no texto. Eles vão pressionar Lula para que não vete muita coisa ou tentar derrubar posteriormente seus vetos. Se passar qualquer coisa, para eles já é lucro.

Resumidamente, o projeto:

1) Permite contato com indígenas isolados, ou seja, que não têm interação sistemática com o restante da sociedade, para "intermediar ação estatal de utilidade pública". O que cabe nisso? Muita coisa, dado que o termo é amplo. E o contato pode ser feito por "entidades particulares, nacionais ou internacionais", como missões religiosas. Há o risco de doenças para as quais o sistema imunológico deles não está preparado como o nosso.

2) Proíbe a ampliação de terras já demarcadas, evitando corrigir erros ou sacanagens do passado cometidos por pressão do poder econômico.

3) Prevê a retomada de territórios indígenas caso ocorra "alteração dos traços culturais da comunidade". Se o governante de plantão achar que uma comunidade indígena deixou de parecer suficientemente indígena, ele pode pedir a terra de volta.

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4) Permite que, no caso de terras indígenas superpostas a unidades de conservação ambiental, a gestão fique com o órgão federal gestor da área protegida. O ideal seria o contrário, uma vez que áreas indígenas costumam preservar mais.

5) Prevê dispensa de consulta prévia dos indígenas para instalar bases militares, implementar rodovias, ferrovias e hidrovias, construir hidrelétricas, "proteger" riquezas consideradas estratégicas.

6) Facilita a contestação da demarcação de novos territórios indígenas, o coloca os processos em um Dia da Marmota que nunca termina.

7) Permite a celebração de contratos para a cooperação de indígenas e não-indígenas para agricultura e pecuária em suas terras - o que autoriza, na prática, o controle da atividade econômica por terceiros.

8) Autoriza o cultivo de transgênicos em territórios indígenas, o que hoje é proibido. Isso pode levar à contaminação de sementes e espécies nativas usadas pelos povos tradicionais.

9) Facilita que o poder público instale rodovias, ferrovias, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia elétrica em terras indígenas mesmo sem a concordância dos povos que vivem lá.

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Para além de colocar em risco a vida dos povos indígenas, o pacote hoje aprovado é uma sinalização de que o Brasil se cansou de comercializar com o mundo. Pois o impacto social e ambiental trazido pelas "inovações" presentes no texto podem criar problemas para os investimentos que o país almeja receber.

O Brasil não é apenas um país que rasga sua Constituição e a dignidade dos mais vulneráveis. É um país que rasga dinheiro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL