Leonardo Sakamoto

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Opinião

Organizador de show de Taylor Swift copia Enel e culpa o clima por tragédia

Seis dias após a morte de Ana Clara Benevides em meio à maquete do inferno que se tornou o show de Taylor Swift, no Rio, o diretor da Time for Fun (T4F), organizadora do evento, resolveu se pronunciar. Tal como a Enel, empresa que deixou milhões de paulistanos sem luz após uma tempestade, culpou as forças da natureza pela tragédia e se desculpou após muita pressão.

"Enfrentamos dias de calor extremo no último final de semana no Rio de Janeiro, com uma sensação térmica altíssima e sem precedentes", afirmou Serafim Abreu, CEO da empresa.

A questão é que não foi o clima, mas a falta de ações mitigadoras do calor por parte da empresa que levaram mais de mil pessoas a desmaiar e criaram condições para óbitos.

Abreu reconhece isso no vídeo distribuído via redes, mas de uma forma torta, ao afirmar que a empresa poderia ter tomado algumas ações como criar locais de sombras, atrasar o início dos shows e permitir garrafas de água.

Pediu desculpas "a todos que não tiveram a melhor experiência possível" - pena que Ana Clara, cujo corpo foi enterrado nesta terça (21), não pode ouvir isso.

Mas também se desculpou "pela demora em realizar essa manifestação pública, pois nosso foco estava incorporar os aprendizados que tivemos". Traduzindo: nossos advogados estavam esperando o melhor momento.

A Enel adotou comportamento semelhante em sua justificativa do caos em São Paulo, como se as mudanças climáticas fossem algo que tivessem começado no mês de novembro de 2023 e não uma realidade que está aí há tempos.

A empresa não fez a devida manutenção preventiva na rede de distribuição de energia e não contava com pessoal com experiência e em quantidade suficiente para as atividades de prevenção e emergência. E nem ela, nem a Prefeitura de São Paulo podaram as árvores para evitar desastres.

Como resultado, o temporal do dia 3 de novembro deixou milhões no escuro.

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Mesmo assim, na primeira declaração sobre o caso, o seu então presidente, Nicola Cotugno, em entrevista à Folha de S.Paulo, no dia 7, culpou o clima: "Não é para nos desculparmos, não. Foi algo excepcional. Quando chega um furacão no Texas, o problema não é a empresa elétrica, é o furacão".

Devorado pela opinião pública diante de tamanho cinismo, desculpou-se aos deputados na CPI da Enel, na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 16. "Naquele momento, não devia ter usado o vento ou árvores como uma desculpa", disse. Mas usou.

E afirmou que, para corrigir os problemas, uma equipe quatro vezes maior de funcionários foi acionada. O que mostra que ele sabe que a resposta está em aumentar a força de trabalho, desidratada sob gestão da Enel.

Os dois casos apontam que as mudanças climáticas, mais do que preocupação real para planejamento, serão usadas como uma desculpa padrão de empresas que colocaram o lucro acima da dignidade dos consumidores.

E que desculpa é algo que só virá depois de muita exposição da marca e até de queda de ações na Bolsa de Valores, como foi o caso da T4F.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL