Leonardo Sakamoto

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Opinião

Meteoro Braskem abre cratera em Maceió em nosso maior desastre urbano

Parte de Maceió será engolida por uma cratera gigantesca no maior desastre urbano que o Brasil viveu. O nome do meteoro responsável se chama Braskem, que, por décadas, ganhou muito dinheiro explorando o sal-gema do subsolo sem se preocupar com as milhares de famílias que moravam acima. A certeza por parte da empresa de que nada aconteceria mostra que isso não é um acidente, mas um projeto.

Há representantes da Braskem, neste momento, em Dubai para a COP28, a conferência do clima das Nações Unidas, mostrando como a empresa é uma das campeãs do futuro sustentável. Irônico, porque não consegue nem sustentar o chão de Maceió no seu lugar.

Mas para quem não se importa com falta de coerência, isso funciona que é uma beleza. Tanto que a empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes quer comprar parte da Braskem em um negócio de R$ 10,3 bilhões.

Projetos como o afundamento de Maceió pela Braskem são cuidadosamente colocados em prática. Não que o objetivo de empresas como ela seja o de destruir a vida em grandes cidades, mas elas simplesmente não se preocupam com os impactos de sua atividade na vida das pessoas.

Ou melhor: se preocupam, mas em lindos vídeos dirigidos por publicitários que acham que estão mudando o mundo para melhor ao reciclar latas de cerveja. Daí, basta ter os amigos políticos nos lugares certos para garantir que, em nome do "desenvolvimento", a empresa não seja incomodada. E agir para desacreditar ativistas ou jornalistas que denunciassem que uma parte de Maceió iria ser tragada pelo inferno.

Há grandes empresas que calculam que o valor pago em indenizações no futuro é bem menor do que aquilo que ganharão desrespeitando as leis ou os estudos e os relatórios de impactos ambientais e tocam o barco. A mesma lógica ocorre na esfera trabalhista, com pessoas superexplorando mão de obra com a certeza de que a multa, se vier, será menor que a grana que ganharam.

Ou alguém acha realmente que o valor pago pela Basf e a Shell à coletividade e aos trabalhadores por conta da contaminação do solo e do lençol freático em Paulínia (SP), entre 1974 e 2002, com substâncias cancerígenas por uma fábrica de agrotóxicos, realmente compensa o estrago feito ao meio ambiente e a milhares de vidas?

Na época do acordo multimilionário acordado na Justiça do Trabalho, a Shell afirmou que não reconhecia a contaminação dos trabalhadores: "A ocorrência de contaminação ambiental não implicou, necessariamente, em exposição à saúde de pessoas". Para a empresa, é possível pular nu em uma piscina com água e não sair molhado.

Visão que ajuda a explicar porque ela e outras do ramo petroquímico produziram grandes desastres urbanos ao longo de anos no Brasil. A ação do Ministério Público Federal, acusando a mesma Shell de poluir o solo e o ar com substâncias nocivas em sua unidade de estocagem de combustíveis na Vila Carioca, zona sul de São Paulo, foi uma das primeiras contra grandes multinacionais no país em 2004.

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Mas para que casos pontuais se tínhamos, algumas dezenas de quilômetros da Vila Carioca, a chaga a céu aberto que era o Vale de Cubatão, na década de 1980? A liberação de gases tóxicos pelas indústrias do polo petroquímico produziu mortos e tornou a região uma das mais poluídas do mundo, segundo as Nações Unidas. Neste caso, um projeto que se apresentava a olhos vistos, ao contrário dos subterrâneos da Braskem.

Outros casos emblemáticos de desastres ambientais urbanos ainda fazem parte do imaginário popular, como o vazamento de césio-137 em Goiânia. Em 1987, dois catadores de lixo reciclável encontraram um aparelho de radioterapia abandonado por uma clínica. Desmontaram para tentar vender as peças e abriram a cápsula de material radioativo, provocando quatro mortes e a contaminação de outras dezenas.

E apesar de terem ocorrido em região rural, as maiores tragédias ambientais da história do Brasil - o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, e da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019 - mataram e contaminaram águas e solo em cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Ambas também são um projeto, mas deste caso da Vale, nos mesmos moldes da lógica aplicada em Maceió. Ou seja, convive-se bem com o risco à vida dos outros enquanto a lucratividade for atraente. Tanto que, após os desastres, a empresa prometeu um processo de descomissionamento, ou melhor, de aposentadoria de um certo tipo de barragens de rejeitos. Por que não implementaram antes? Porque dava lucro, porque o poder público não obrigou, porque parte da imprensa estava mais preocupada em elogiar a empresa como "exemplo de privatização" do que cobrar dela.

A Vale também está na COP28, em Dubai, mas certamente não exibirá o vídeo dos mortos em Brumadinho ou da lama de Bento Rodrigues.

A Braskem destaca, em seu site, textos afirmando que está entre as empresas "mais amadas" do país. A pesquisa foi feita entre os moradores pobres de Maceió?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL