Leonardo Sakamoto

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Opinião

Cursinho que exaltou sexo com cadáver age como escola do crime de policial

Mais um vídeo com uma aula do AlfaCon, curso preparatório para concursos públicos de carreiras de agentes de segurança, viralizou com uma apologia a um crime bizarro. Neste caso, o seu fundador, o ex-policial militar Evandro Guedes, exalta a violação de um cadáver de uma mulher, crime previsto no artigo 212 do Código Penal.

Usando as assistentes de palco do programa Pânico como exemplo, ele afirmou: "Meu irmão, com aquele 'rabão'. E ela infartou de tanto tomar 'bomba' na porta do necrotério. Duas da manhã, não tem ninguém, quentinha ainda. O que você vai fazer? Vai deixar esfriar? Meu irmão, eu assumo o fumo de responder pelo crime".

E foi além, ensinando a usar um secador de cabelo para esquentar o corpo frio antes de se satisfazer, dizendo que esse seria o "mais feliz da sua vida, irmão". E que a pena pelo crime é pequena, valendo responder por ele.

Depois, quando o caso repercutiu negativamente, culpou a interpretação da esquerda - covardia comum ao bolsonarismo radical, que sistematicamente terceiriza a responsabilidade por suas próprias ações e declarações diante da possibilidade de punição.

Não é a primeira vez que o cursinho se envolve em polêmicas por fazer apologia ao cometimento de crimes na formação de agentes de segurança.

Após a morte de Genivaldo de Jesus Santos, colocado em uma câmara de gás por policiais rodoviários federais em Sergipe, em maio do ano passado, a Uneafro Brasil e o Instituto de Referência Negra Peregum apresentaram notícia-crime ao Ministério Público do Paraná pedindo investigação contra professores e diretores da AlfaCon e o seu fundador, Evandro Guedes.

Em um vídeo, um professor da AlfaCon conta aos alunos que pretendem se tornar policiais como produziu uma câmara de gás semelhante à que matou Genivaldo. O vídeo, recuperado pela Ponte Jornalismo, era de 2016.

"Nesse interim que a gente ficou lavrando procedimento e ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro com um chute. O que a polícia faz? Abre um pouquinho, pega o spray de pimenta e taca... Foda-se! É bom pra caralho! A pessoa fica mansinha... Daqui a pouco eu só escutei assim "ah eu vou morrer, eu vou morrer". Ai, eu fiquei com pena, abri de novo e disse 'torturaaaa'. E fechei de novo", diz o instrutor.

Naquele momento, através de nota, a empresa afirmou que "repudia qualquer tipo de prática discriminatória ou violência, seja física ou psicológica, contra civis". E que "ciente da relevância do debate atual na sociedade, a empresa reforçará orientações e treinamentos direcionados aos times pedagógico e de recursos humanos". Também disse que o professor que aparece nesse vídeo não fazia mais parte do curso desde 2018.

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Em outra aula, outro docente fez apologia a outro crime: "Nada como uma tortura bem aplicada para entregar onde está. Se você não tortura, deixa comigo, eu faço isso, não tem problema nenhum. Minha consciência é livre e leve - e eu sou bom nesse troço, nossa... Eu tenho afinidade com isso daí, não tenho dó. E torturo até umas horas. Tortura é pontual: é curto, direto e reto".

Já Evandro Guedes, fundador da empresa, relatando um caso de agressão em um estádio de futebol, usou termos como "criolada" e "favelados" para se referir aos torcedores.

Vídeos do cursinho também fazem incitação de crimes como tortura, racismo, homicídio, muitos dos quais considerados inafiançáveis e imprescritíveis pela legislação.

Em uma palestra no cursinho, em julho de 2018, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que, para fechar o STF bastava um cabo e um soldado."Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não."

Policiais não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser humano. Não é da natureza das pessoas que decidem vestir farda (por opção ou falta dela) tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da instituição a que pertencem (e sua natureza mal resolvida), na exploração diária como trabalhadores, na internalização da missão de manter o status quo, na formação que tiveram.

O problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos, mas com uma revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. E isso começa por aqueles envolvidos na formação dos profissionais.

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Se há ausência de regulamentação de cursos preparatórios, que o Estado brasileiro trate de resolver essa lacuna. O que não é admissível é que eles sirvam para ajudar a confundir o policial com o bandido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL