Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Médico de Gaza que se nega a largar feridos está preso há um mês por Israel

O diretor do único hospital e maternidade ainda em funcionamento no norte de Gaza, o médico anestesista Ahmad Muhanna, foi levado pelo Exército de Israel há quatro semanas e não há informações sobre o seu paradeiro ou mesmo se está vivo ou morto. Ele foi levado um dia após ter dado uma entrevista ao UOL sobre o cerco que os militares mantinham sobre o hospital Al-Awda.

A coluna conversou, na manhã deste sábado (13), com a equipe do Al-Awda que confirmou que não há notícias sobre Muhanna - conhecido médico e defensor dos direitos humanos na Faixa de Gaza. Seus colegas continuam uma campanha nas redes sociais e junto a organismos internacionais pedindo a libertação do diretor e de outros membros do hospital detidos com ele.

Apesar de terem recebido ordens do Exército de Israel para que o Al-Awda, no norte de Gaza, fosse esvaziado e fechado logo após o início dos bombardeios, Muhanna e sua equipe resolveram ficar por conta da demanda. Essa unidade fica em Jabalia, onde também está o maior campo de refugiados de Gaza, alvo de dois bombardeios.

"Nós estamos aqui e vamos continuar aqui", disse à coluna em mais de uma ocasião.

Desde 7 de outubro, quando houve o ataque do Hamas e, com ele, o início da retaliação de Tel Aviv, até o 11 de janeiro, essa unidade atendeu 20.902 pessoas, dos quais 4.037 emergências e 440 partos normais e 163 cesáreas.

"As forças de ocupação israelense recusaram-se a fornecer qualquer informação sobre ele e outros colegas detidos. Não sabemos para onde os levaram. Não sabemos nada sobre eles", afirma um membro da equipe do Al-Awda à coluna na época detenção de Muhanna.

A unidade hospital permaneceu sitiada entre 5 e 22 de dezembro, com tanques e franco-atiradores posicionados ao redor. Ao todo, 240 pessoas estavam dentro, entre equipe, pacientes e acompanhantes.

"Um grupo de forças de ocupação bateu na porta de emergência e pediu que todas as pessoas do sexo masculino, com menos de 20 anos de idade, saíssem do hospital. Depois, ordenaram que tirassem a roupa, mesmo com o dia frio e chuvoso. Levaram cerca de 80 pessoas e as interrogaram o dia inteiro", conta a equipe do Al-Awda.

"Perguntaram sobre o Hamas, sobre os departamentos do hospital, exigiram todas os registros de câmeras, ordenaram que todos os quartos fossem fotografados. Liberaram um grupo, pegaram outro e avisaram ao doutor Muhanna que ele estava detido. As forças de ocupação levaram 12 pessoas com eles, dos quais cinco da equipe, e o restante pacientes e acompanhantes", diz.

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Em sua última conversa com o UOL, Ahmad Muhanna contou sobre o cerco total do Al-Awda pelo Exército. "Ninguém pode sair porque está sob risco de ser morto por atiradores israelenses que estão posicionados em torno", afirmou.

Não apenas ir embora, mas se movimentar entre os edifícios do complexo médico tornou-se um risco. O medo fez com que os que estivessem lá dentro dormissem longe das janelas e rastejassem para evitar serem baleados. A equipe médica diz que pessoas já foram mortas em frente ao prédio.

Muhanna relatou um situação de calamidade dentro da unidade, com a falta de medicamentos, de oxigênio, de eletricidade e de água - uma vez que era necessário combustível para o gerador elétrico acionar as bombas, pois um bombardeio atingiu os reservatórios.

A falta de combustíveis impede o funcionamento de respiradores, máquinas de raio-X e incubadoras de prematuros - o Al-Awda também é a mais importante maternidade do Norte de Gaza. Muhanna afirmou que os médicos estavam operando com luzes recarregáveis e pilhas.

Morte de médicos do Al-Awda

Em 21 de novembro, a organização Médicos sem Fronteiras divulgou uma nota declarando-se "horrorizada" com a morte de dois médicos do grupo que atuavam no Al-Awda após um bombardeio. Lembrou que o ataque a instalações médicas constitui violação grande ao direito humanitário internacional. Um terceiro médico que não pertencia à organização também morreu.

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Impactos de mísseis já haviam destruído ambulâncias, causado danos ao edifício e ferido funcionários do Al-Awda duas semanas antes, quando eles estavam atendendo às vítimas dos bombardeios do campo de refugiados de Jabalia.

O governo do primeiro-ministro Benjamim Netanyahu vem acusando hospitais de esconderem sedes do Hamas. O caso mais famoso envolveu o Al-Shifa, que também foi cercado por tanques e invadido.

Desde então, o governo de Israel vem divulgando vídeos para tentar convencer que as unidades médicas escondem bases do Hamas. Recebe duras críticas das Nações Unidas, que também usou o termo "horrorizada" para tratar da ação em hospitais que, segundo ela, fere o direito humanitário internacional.

De acordo com Muhanna, a maioria das crianças sobreviventes dos bombardeios chegavam ao hospital com queimaduras, cortes na cabeça e ossos quebrados nas extremidades. Tudo em um mesmo paciente. O motivo é que, com as bombas, as paredes desabam sobre elas. Em um ato reflexo, colocam as mãos na cabeça para se protegerem.

Em Gaza, o saldo da retaliação israelense é de 23.843, números do Ministério de Saúde local, controlado pelo Hamas, após 1.139 pessoas serem mortas em Israel pelos ataques terroristas do grupo no dia 7 de outubro.

O Estado de Israel enfrenta, neste momento, um julgamento por genocídio na Corte Internacional de Justiça, em Haia, denúncia apresentada pela África do Sul que contou com o apoio do Brasil.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.