Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Resgates de escravizados são suspensos com protesto de auditores fiscais

Auditores fiscais do trabalho que atuam na coordenação do combate ao trabalho escravo entregaram seus cargos em protesto pelo não cumprimento de um acordo entre o governo federal e a categoria em 2016. Com isso, novas operações de resgates de trabalhadores estão suspensas na maior parte do país.

A coluna apurou que as ações em andamento vão continuar normalmente, mas novas denúncias não serão apuradas e o trabalho de inteligência voltado à detecção desse tipo de exploracão também irá parar. Em 2023, o Brasil encontrou 3.190 trabalhadores em condições análogas às de escravo, maior número desde 2009.

Em 18 dos 19 estados em que as superintendências do Ministério do Trabalho e Emprego possuem áreas específicas para tratar do tema já houve entrega de cargos por parte de chefias e coordenações. O mesmo ocorreu no Distrito Federal, com auditores que dão apoio às ações.

Da mesma forma, novas operações da equipes do grupo especial de fiscalização móvel, que respondem diretamente a Brasília, vão parar de serem organizadas após a adesão da maior parte dos membros. Com isso, resgates vão praticamente parar na maior parte do país.

Os grupos, criados em maio de 1995 e base do combate ao trabalho escravo, são coordenados pelos auditores fiscais do trabalho e contam com a participação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Defensoria Pública da União.

Os auditores querem a regulamentação do bônus de eficiência, que pode aumentar a remuneração deles diante do cumprimento de metas de produtividade. Além do combate ao trabalho escravo, outros setores da fiscalização trabalhista também estão entregando seus cargos.

Em nota à coluna, o Ministério do Trabalho e Emprego afirmou que o texto do decreto regulamentando o bônus está em fase final de elaboração para encaminhamento à Casa Civil nos próximos dias. Já o Ministério da Gestão disse que segue aberto ao diálogo com os servidores e têm novas reuniões marcada para início de fevereiro (ver íntegra da resposta mais abaixo).

O Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) orientou, na última sexta (12), a entrega "como ato de indignação e protesto em razão da falta de cumprimento do acordo firmado com o governo em 24/03/2016, especialmente a inaceitável omissão no tocante à regulamentação do bônus de eficiência, previsto na lei nº 13.464/2017".

Afirma que há "indignação também com o tratamento discriminatório dado à categoria uma vez que na mesma lei consta outra carreira que já foi atendida".

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Bob Machado, presidente do Sinait, explicou à coluna que o governo regulamentou o bônus para os auditores da Receita Federal, em junho do ano passado, mas não fez o mesmo com os auditores fiscais do trabalho. "A categoria está sobrecarregada com as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista, pela falta de condições materiais de trabalho, com o aumento na demanda por um quadro reduzido de auditores, então isso gera mais insatisfação", afirma.

Insatisfação com aumento da PRF

"Não dá para entender. Em dezembro, foi fechado acordo salarial com a Polícia Rodoviária Federal, que foi usada para tentativa de golpe de Estado pelo governo anterior, mas as categorias que resistiram ao processo de desconstrução, como nós e as equipes do Ibama e do ICMBio, estão sendo ignoradas", afirmou à coluna um auditor fiscal do trabalho envolvido na mobilização.

"Há uma indignação e um sentimento de desrespeito muito grandes. Se não tivesse sido fechado acordo com a PRF, mesmo que nossas reivindicações sejam justas, não iríamos parar. Mas esse tapa na cara dado pelo governo tem que ter resposta", diz.

A orientação do Sinait diz que a entrega de cargos é um ato político orientado pela representação sindical e se reveste de "profundo descontentamento com a falta de reconhecimento e valorização da carreira que exerce papel fundamental na construção da cidadania e dignidade dos trabalhadores".

Um auditor ouvido pela coluna diz que a categoria sabe do impacto da paralisação das atividades, mas que esse é o último recurso que ela tem. Afirma que os auditores esperam contar com a compreensão dos órgão parceiros no combate ao trabalho escravo.

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Ministério da Gestão diz que foi concedido reajuste de 9% em 2023

Questionado pela coluna, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos afirmou, através de nota, que "a recomposição e valorização da força de trabalho na administração pública federal é pauta prioritária para recuperar a capacidade de atuação do governo para a execução de políticas públicas, dentro dos limites orçamentários para atender às demandas dos órgãos e entidades".

Também diz que reinstalou, no começo do ano passado, a Mesa Permanente de Negociação com os servidores públicos, que estava fechada desde 2016. E que o primeiro acordo assinado foi o reajuste linear de 9% para todos os servidores em 2023, inclusive para os auditores fiscais do Trabalho, além de aumento de 43,6% no auxílio alimentação.

Segundo o governo, o debate sobre o ano de 2024 no segundo semestre do ano passado. E, como parte desse processo, foram abertas 21 mesas específicas para tratar de algumas carreiras. Defende que, somente no âmbito das mesas específicas, sete acordos para reestruturação de carreiras já foram fechados.

No Concurso Nacional Unificado, o governo abriu 900 vagas para repor o déficit de auditores fiscais do trabalho. O salário inicial é de R$ 22.921,71.

A coluna tentou contato com o Ministério do Trabalho e publicará a posicão da pasta assim que possível.

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Brasil flagrou, em 2023, maior número de escravizados desde 2009

O Brasil encontrou 3.190 trabalhadores em condições análogas às de escravo em 2023. O número é o maior desde os 3.765 resgatados em 2009. Foram 598 operações de fiscalização e mais de R$ 12 milhões de verbas trabalhistas pagas nos resgates, dois recordes no período de um ano, segundo dados da Coordenação-Geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravizado e Tráfico de Pessoas (CGTRAE) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com isso, o país ultrapassou 63,4 mil trabalhadores flagrados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995. A totalização está passando por revisão e pode oscilar para cima.

A atividade de onde mais trabalhadores foram resgatados foi o cultivo de café, seguida pelo plantio de cana-de-açúcar. Mas considerando a quantidade de operações de resgate, a atividade econômica campeã foi a criação de bovinos de corte, seguida por serviços domésticos. Goiás foi o estado com o maior número de resgatados, acompanhado por Minas Gerais.

Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui:

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  • trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir),
  • servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas),
  • condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou
  • jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

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